Nas últimas décadas, grandes transformações aconteceram em diferentes segmentos da economia. O mercado financeiro é um dos melhores exemplos nesse sentido: a partir da criação do Bitcoin, primeira e mais conhecida criptomoeda, iniciou-se uma revolução sem precedentes que desafiou (e desafia) as estruturas tradicionais. Nesse cenário, a história de José Arthur Ribeiro se destaca como um caso emblemático. Assim como o Bitcoin redefiniu os conceitos de moeda e transação, o empreendedor redefiniu sua carreira, abraçando a inovação e transformando-a em sucesso.
Economista e contador de formação, Ribeiro iniciou sua jornada em um ambiente tradicional: foi auditor e consultor na PwC; ocupou posições executivas em multinacionais e, inclusive, desempenhou um papel crucial no processo de venda de uma delas. Mas foi em 2017 que o então executivo encontrou um novo horizonte.
Residindo em São Francisco, no coração do Vale do Silício, Ribeiro foi apresentado ao mundo das criptomoedas. O que inicialmente soou como uma prática arriscada, rapidamente se revelou uma oportunidade de inovação e crescimento: ao se aprofundar no campo do Bitcoin e do blockchain, ele não apenas vislumbrou o potencial disruptivo dessa tecnologia, mas também reconheceu seu impacto transformador nas finanças globais.
Inspirado por essa nova perspectiva, co-fundou a Coinext. Dedicando-se integralmente a este empreendimento, ele demonstrou não apenas uma compreensão aguda das tendências emergentes no mercado financeiro, mas também uma habilidade única para se adaptar e prosperar nessas mudanças.
Em entrevista exclusiva, José Arthur Ribeiro conta um pouco de sua história trajetória, que une adaptabilidade e visão de futuro no mundo contemporâneo de negócios.
Confira:
JACQUES MEIR – Conte um pouco o que a Coinext faz.
JOSÉ ARTHUR RIBEIRO – O que fazemos é intermediar. Unimos compradores com vendedores de cripto em um ambiente, uma plataforma digital. Basicamente, nossos clientes chegam digitalmente, fazem o cadastro e todo aquele processo de conhecer seu cliente. Faço então a validação da conta para saber se o cliente existe de fato e não é uma fraude. Uma vez cadastrado, ele faz um depósito em reais. Fazemos essa ponte entre o mundo da moeda fiduciária e o mundo cripto. Disponibilizamos e, com o depósito em reais, o cliente compra cripto ou, fazendo um depósito de moeda digital, ele vende cripto, transforma em reais, pede o saque. Somos uma plataforma digital de intermediação de criptoativos. Hoje temos mais de 80 criptoativos listados na plataforma. Viemos oferecendo esse serviço desde o início de 2018. Abrimos a companhia em 2017. Em 2018, fomos uma das que mais abocanhou mercado, segundo a XP. Importante destacar que 2018 foi um ano que entrou muita empresa nesse setor. E já passamos por alguns altos e baixos do mercado, normal. Conversávamos aqui anteriormente sobre como o mercado é cíclico. Pegamos o mercado de baixa de 2018. O ano seguinte [2019] também foi um ano estranho. Aí 2021 começou a melhorar, até que houve um ápice absurdo no final de 2021 com o tuíte de Elon Musk e toda aquela adoção do bitcoin institucional por fundos de investimento. Agora, com as perspectivas de ETF sendo aprovadas nos Estados Unidos, passando pelo Ravin em 2021, estamos esperando o próximo ano. Então, passamos por vários ciclos de mercado desde então e estamos bem posicionados no mercado brasileiro agora, aguardando o processo regulatório, que sairá muito em breve.
JM – Então, há muita controvérsia em relação às criptos. Muito ruído em torno delas, do ponto de vista de serem simulações de Ponzi, por exemplo, de não terem lastro, de serem muito usadas para especulação e fraude financeira. Fui fazer um estudo e verifiquei que, globalmente, não há distinção percentual entre fraudes no sistema financeiro tradicional, nem nas fintechs nem nas corretoras de cripto. Aqui, você deve, digamos, lidar com essa contrainformação, esse ruído em torno das criptos. É uma reação dos negócios tradicionais? Desinformação é a incapacidade de se comunicar? Por que é tão difícil entender a essência da cripto?
JAR – Sem dúvida, nós movemos uma montanha por dia para poder suprir e superar essas barreiras educacionais que existem no mercado, não só barreiras educacionais, mas também institucionais. Se lembrarmos, até pouco tempo atrás, não conseguíamos ter conta em banco. Nenhuma exchange brasileira conseguia ter conta em banco. Até hoje não conseguimos fazer publicidade em plataformas como Meta e Google. Somos banidos enquanto setor porque, em tese, eles justificam que não existe uma regulamentação. Portanto, não podemos fazer nenhum tipo de publicidade porque somos ligados a criptoativos. De fato, criou-se um mito, um estigma em relação à utilização de cripto como uma ferramenta subversiva, até pelo fato de como ela foi concebida, pelo nome, pelos Cypher Punks, por esse processo de ir contra um sistema econômico, um status quo. Então, criou-se um pouco desse fenômeno. E aí temos essas ondas de desinformação, onde não se quer aceitar esse progresso. O que eu acho é que o lado positivo da cripto é maior do que o negativo. Como você disse, as fraudes existem. Se olharmos as fraudes feitas em moeda fiduciária, lembramos dos casos de dinheiro na mala, que não era cripto, era dinheiro vivo. Então, a cripto não está reinventando ou inventando fraude. A fraude existiu e continua existindo na natureza humana. Então, quem quer fazer fraude encontra uma maneira de fazê-la, certo? Agora, temos que olhar para o copo cheio e perceber o quão disruptiva essa nova forma de tecnologia é, e o quanto ela realmente desafia um sistema financeiro que vem se perpetuando desde 15 de agosto de 1971, quando acabou o padrão Bretton Woods e o padrão ouro. Quando falamos em lastro, que é uma palavra-chave que você mencionou, muito se fala sobre a cripto não ter lastro. Inclusive, economistas amigos meus, formados comigo, falam isso.
JM – Mas uma moeda normal também não tem. É uma questão de confiança?
JAR – Exatamente. Falta informação e educação em relação ao próprio conceito do que é lastro, que está diretamente ligado à escassez. Por que o ouro é um lastro natural? Porque ele tem propriedades físicas e químicas que o tornam naturalmente escasso. Ele era utilizado como ferramenta para limitar a quantidade de dinheiro circulando na economia e evitar inflação. Com o fim do padrão ouro em 1971, não existe mais moeda fiduciária com lastro. Então, é importante entender isso. Quando percebemos que não existe lastro na moeda governamental, surge uma nova classe de ativos que, de forma descentralizada e matemática, tenta definir essa limitação e resolver o problema do gasto duplo. A internet trouxe a revolução da informação, que hoje circula em tempo real e é acessível a todos. Depois, veio a interação através das redes sociais. Mas a Web3, que é uma internet descentralizada, permite uma revolução não só da informação, mas também de valor. Com o advento do blockchain, que começou com o Bitcoin, surge toda essa metodologia de registro de títulos de propriedade.
JM – E aí vem o apelo do Bitcoin, especialmente para as novas gerações. Elas exploram muito as novidades, gostam da descentralização e repensam formas de crédito, investimento e controle do dinheiro.
JAR – Estamos saindo da revolução da informação para uma revolução de valor, de forma descentralizada. Vamos começar a confiar mais em softwares, pois as regras do jogo são claras desde o início. É incrível pensar que confiamos mais no software do que nas pessoas, pois os humanos têm interesses pessoais, vieses e lobbies. Isso não significa que um banco central ou um Copom esteja tomando a melhor decisão para a sociedade. É uma mudança significativa e interessante.
JM – Muitas vezes, uma decisão que parece boa está vinculada ao resultado, mas o resultado pode ser consequência de fenômenos aleatórios. Uma maldição pode levar a um bom resultado, como vimos em governos anteriores. Às vezes, boas decisões são tomadas, mas são atropeladas por circunstâncias, como guerras, por exemplo. Dentro desse protocolo, conseguimos reduzir o impacto desses fatores.
JAR – Exatamente, justamente porque a regra está muito clara. A descentralização permite uma economia compartilhada onde todos contribuem, sem um único ponto de falha, algo que o mundo centralizado tem. Se cair uma bomba em todos os datacenters da Mastercard, teremos um problema sério de registro de informações. Em uma força computacional de economias descentralizadas, como a Web3, com servidores espalhados pelo mundo, mesmo que um continente seja afetado, como a internet, os protocolos de rede dentro da Web3 não deixarão de existir. Isso traz uma segurança em software, em rede e em sistemas descentralizados muito maior do que vimos até hoje. Isso é incrível e muito mais soberano do que pensar em um poder central, seja um governo ou não. É a sociedade tomando para si um poder muito maior do que os governos.
JM – Como está o panorama das criptos no mercado brasileiro? Qual o nível de adoção e as perspectivas? Quais são as dificuldades para expandir o mercado e tornar essa cultura mais alinhada aos princípios de descentralização, inclusão e…
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