A última semana trouxe uma série de reviravoltas para a OpenAI, empresa responsável pelo chatbot de inteligência artificial ChatGPT. O cofundador Sam Altman foi demitido do cargo de CEO na sexta-feira (17/11), por decisão do conselho de administração da companhia, que alegou ter perdido a confiança no empreendedor. Nesta quarta (22), porém, ele acabou restituído ao cargo – e ainda anunciou uma reformulação do conselho.
Além de gerar questionamentos sobre os rumos da companhia, o episódio pode gerar dúvidas sobre em quais circunstâncias um fundador pode perder o cargo de CEO da sua própria empresa. A seguir, veja as explicações de especialistas.
Qual é o papel de um conselho de administração?
Os conselhos de administração atuam como uma representação dos acionistas na gestão executiva das empresas. A sua existência é obrigatória para companhias de capital aberto — ou seja, que têm suas ações listadas em bolsas de valores.
“Os integrantes do conselho são definidos pelos acionistas que têm direito a voto na companhia”, explica Claudio Machado, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e coordenador de projetos da FIA Business. A forma como eles são eleitos pode variar de acordo com o estatuto da empresa, mas, em geral, eles são indicados pelos sócios.
No caso da OpenAI, a participação do conselho de administração tem particularidades. A empresa foi fundada em 2015 como uma iniciativa sem fins lucrativos, mas criou uma subsidiária com fins lucrativos para receber investimentos. No seu site, a companhia indica que o conselho exerce controle sobre toda a sua estrutura.
Na prática, um conselho de administração pode ter papéis diferentes de acordo com o estágio da empresa, explica Maria Rita Spina Bueno, conselheira da Anjos do Brasil. “No começo do negócio, ainda no early stage, o conselho é consultivo, com um papel parecido ao de mentores para auxiliar as startups a acelerar e ir para a próxima etapa”, afirma. “O empreendedor pode convidar pessoas de referência de sua área, que podem auxiliar em sua jornada em pontos em que ele não tem familiaridade. Não são necessariamente tomadores de decisão, mas figuras de apoio que podem ajudar a abrir portas.”
Conforme a empresa cresce, os conselheiros começam a ganhar um papel mais decisivo. “Via de regra, o conselho se torna deliberativo com a entrada de um sócio externo, mesmo com o capital ainda fechado. Por exemplo, quando um fundo de private equity compra uma fatia daquela empresa”, diz Machado.
É nesse momento que o conselho assume mais poderes dentro da companhia. “Passa a ser quem efetivamente governa a empresa, tendo o poder de nomear o principal executivo da organização, o CEO. O conselho tem o papel de fazer toda a supervisão, sendo responsável pelo compliance, contratação das auditorias externas e todo o sistema de gerenciamento da empresa. Também é papel aprovar todas os planos estratégicos e o rumo da companhia”, acrescenta o professor.
Quando o conselho pode demitir um CEO?
O caminho é longo até que o conselho de administração decida destituir o CEO de um negócio – especialmente quando ele é o fundador. “Isso ocorre em casos extremos, como um desalinhamento de interesse ou de rumos para gestão. Existem casos em que o empreendedor foi essencial até determinado ponto, mas não tem as habilidades para levar a empresa a outros patamares. É neste momento que o conselho pode tirá-lo de um cargo executivo”, afirma Juliene Piniano, partner na FM/Derraik.
Em outros casos, segundo Bueno, pode haver um acordo consensual entre conselho e fundadores: “Conheço diversos fundadores que adoram o começo da startup, com esse crescimento acelerado. Entretanto, não possuem o desejo de lidar com a demanda de uma empresa grande. O fundador tem de entender se este é um papel que ele quer desempenhar e tem as habilidades para isso”, afirma.
Segundo Bueno, tudo depende do que foi determinado pelo acordo de acionistas — e como isso é comunicado a todos os colaboradores da organização. “O mais importante é ser uma relação construtiva, para evitar ruídos. Ficou claro que existia um problema de comunicação entre o conselho e os funcionários da OpenAI, já que diversos funcionários ficaram ao lado de Sam Altman após a demissão”, afirma.
O primeiro passo para reduzir atritos é deixar muito claro qual é o papel de cada agente dentro da organização: fundador, CEO, conselho e acionistas. “A partir disso, construir um estatuto com o apoio de um bom advogado para tornar essa relação clara”, explica Bueno. “Vejo muitos empreendedores sem paciência para lidar com contratos, entender a consequência daquilo que ele está assinando. Depois, ele pode levar um susto ao descobrir que pode ser demitido pelo conselho.”
Ao demitir Altman na sexta-feira (17), a OpenAI alegou que uma revisão constatou que o executivo “não era consistentemente sincero em suas comunicações” com o conselho de administração, que havia perdido a confiança em sua capacidade de liderar a organização. A empresa anunciou que Mira Murati, diretora de tecnologia, seria CEO interina.
Até então, o conselho tinha seis membros: o próprio Altman; Greg Brockman, cofundador da OpenAI; Ilya Sutskever, cofundador e cientista-chefe da empresa; Adam D’Angelo, CEO do Quora; Tasha McCauley, empreendedora do setor de tecnologia; e Helen Toner, do Centro para Segurança e Tecnologias Emergentes da Universidade de Georgetown.
Após o anúncio da demissão, o cofundador Greg Brockman pediu demissão. Em uma carta direcionada à empresa, mais de 500 dos cerca de 700 funcionários também ameaçaram deixar seus empregos caso Altman não fosse restituído ao cargo de CEO.
O empreendedor tentou retornar ao posto nos dias seguintes, mas teve o pedido negado pelo conselho no domingo (19/11). A Microsoft, principal investidora da OpenAI, com fatia de 49%, chegou a anunciar a contratação de Altman e de Brockman para liderar uma nova equipe de pesquisa avançada em inteligência artificial da Microsoft.
Nesta quarta-feira (22), porém, foi anunciado que Altman reassumiu a posição e que o conselho de administração foi reformulado. Agora, será composto Bret Taylor, ex-co-CEO da Salesforce, Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos, e Adam D’Angelo, que já fazia parte do grupo anterior.
O próprio CEO da Microsoft comemorou a recontratação. Satya Nadella publicou no X, antigo Twitter, que a ação é ”um primeiro passo essencial no caminho para uma governança mais estável, bem informada e eficaz”.
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