No Uruguai, um programa educacional que hoje é elogiado internacionalmente começou com um erro. Em 2007, como você conheceu no Guia Tecnologia na Educação, produzido pelo Porvir, teve início o Plano Ceibal (sigla em espanhol para Conectividade Educativa de Informática Básica para Aprendizagem Online), uma política pública abrangente e pautada no diálogo entre diferentes esferas do governo e da sociedade responsável por universalizar acesso a dispositivos, plataformas de conteúdo e de gerenciamento de aprendizagem.
O Plano Ceibal tem como uma de suas principais características entregar um dispositivo para cada professor e cada estudante, e assim, promover a inclusão digital também das famílias de baixa renda. Antes do programa, apenas 5% dos lares mais pobres tinham computador contra 56% dos mais ricos. Logo no começo, tão logo foi atingida a marca de um milhão de laptops XO distribuídos (modelo durável e de baixo custo, US$ 100, desenvolvido pelo cientista Nicholas Negroponte no MIT, Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA, com apoio de empresas de tecnologia), a diferença foi reduzida para 11 pontos porcentuais, com o computador colorido chegando a 76% dos lares de baixa renda. Até 2022, foram 2,8 milhões de dispositivos entregues e 100% das 2.993 escolas com rede Wi-Fi, segundo dados do próprio Ceibal.
Os dados tornam quase que impossível não olhar para trás e reconhecer os feitos do programa. Só que a ordem de implementação trouxe dificuldades iniciais: os dispositivos foram entregues antes da formação dos professores, o que não impactou as práticas nem a aprendizagem. Quinze anos depois a iniciativa uruguaia continua a servir de alerta para atuais experiências em curso no Brasil: tanto para o caso de troca de livros didáticos impressos por digitais na rede estadual de São Paulo, quanto para futuros planos de tecnologia municipais e estaduais que devem surgir como consequência de investimentos anunciados pelo governo federal na última semana.
Novos investimentos do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento |
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De acordo com o MEC (Ministério da Educação), na área de inclusão digital e conectividade, o investimento previsto é de R$ 27,9 bilhões, sendo R$ 20,3 bilhões entre 2023 e 2026, para universalizar a conectividade em 138 mil escolas públicas do ensino básico e conectar 24 mil unidades básicas de saúde. Tais ações buscam ampliar o acesso à internet por parte de professores e estudantes. |
Na entrevista que você lê abaixo, Mariana Montaldo, responsável por relações institucionais do Plano Ceibal, detalha como foram os primeiros passos do programa, como é a atual política de distribuição e manutenção de dispositivos e como é o diálogo da instituição com professores e universidades. Atualmente, conta a representante, o Uruguai passa por uma reforma curricular que abre espaço para o ensino de competências em detrimento ao mero foco no conteúdo. E a tecnologia é parte integrante desse esforço.
Porvir – Pensando no começo da trajetória do Ceibal, o que chegou primeiro, a tecnologia ou a formação de professores?
Mariana Montaldo – Na verdade, essa foi uma grande lição aprendida dentro do Ceibal, porque os computadores foram entregues antes que houvesse uma formação adequada para os professores. E isso foi um problema porque os professores receberam os dispositivos em 2008, quando o uso de tecnologia era muito menos comum do que atualmente. O Facebook não era tão popular e o iPhone havia sido recém-lançado pela Apple. Dizemos aqui que esse foi o erro fundamental do Ceibal, que logo percebeu que a tecnologia deve caminhar o mais próximo possível da formação docente para que seu uso seja bem-feito.
Porvir – Qual o foco dessa formação docente?
Mariana Montaldo – A formação de professores e o diálogo com eles não se trata tanto de uma formação instrumental, que envolve apenas o uso de plataformas ou dispositivos, mas sim sobre como integrar esses dispositivos de maneira pedagógica. Ou seja: como se faz para utilizar um dispositivo, um software em um projeto pedagógico? Nessa abordagem, a tecnologia assume o papel do que chamamos de “alavanca digital”, sendo um elemento que auxilia a melhorar, fortalecer e ampliar os tempos de aprendizagem.
Porvir – Por…
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