A proposta mais recente de marco regulatório do serviço regular do transporte rodoviário interestadual de passageiros apresentada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) tem potencial de prejudicar a concorrência ao restringir a abertura do setor. É o que afirmam entidades ligadas a empresas de mobilidade, interessadas em participar desse mercado, e especialistas em regulação de transportes.
Desde 2020, a agência discute um novo marco para esse tipo de transporte terrestre, chamado de TRIP. No último mês de julho, a ANTT reabriu uma audiência pública, que teve início ainda em meados do ano passado, para receber sugestões sobre mudanças feitas na nova resolução do TRIP que está em estudo.
A reabertura da audiência pública ocorreu com a justificativa de que havia recomendações feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pela Procuradoria Federal da ANTT.
A nova minuta acrescentou uma previsão sobre o controle da entrada de novas empresas no TRIP com base na identificação de inviabilidade econômica, operacional e técnica da operação. E são justamente essas últimas alterações, somadas ao estabelecimento de um processo seletivo discricionário, na proposta de regulamentação do TRIP, que têm gerado queixas no setor.
Para o cálculo da inviabilidade econômica, a ANTT vai classificar os mercados em principais e subsidiários, em função da movimentação de passageiros nos últimos 12 meses. A ideia, segundo a proposta, é determinar quantos operadores poderão atuar nos mercados principais, que serão divididos em três níveis – o que não aconteceria antes de 2025.
Nos mercados nível 1, será permitida a entrada de mais 20% de novas empresas por ano. Nos de nível 2, apenas um novo operador poderá entrar anualmente. Já os mercados de nível 3 são considerados saturados, e não serão concedidas novas licenças até que sejam reclassificados para nível 1 ou 2.
Pela proposta, os mercados de nível 3 serão os que apresentarem índice de eficiência menor que 0,7. “Isso quer dizer que se o preço praticado for inferior a 70% do que a ANTT entende como a tarifa de eficiência, a agência conclui que os operadores não vão conseguir prestar um serviço de qualidade. Isso porque o mercado está saturado, e as passagens não vão subir para atingir a tarifa de eficiência”, explica Felipe Freire, especialista em regulação da ANTT e mestre em Engenharia de Transportes pela COPPE/UFRJ.
“Só que não faz sentido a ANTT dizer que os operadores vão prestar um serviço ruim neste mercado específico com índice de eficiência menor que 0,7, porque, no regime de autorização, as empresas atuam em vários mercados. Não dá para avaliar mal toda a operação de uma empresa com base apenas em uma linha”, acrescenta.
Frederico Turolla, sócio da Pezco Economics, avalia que não há lógica econômica nesse cálculo de inviabilidade econômica proposto na minuta. Isso porque a determinação de que uma empresa é economicamente incapaz de operar certo trecho se basearia na falta de demanda de passageiros.
“Nos mercados principais é onde justamente tem demanda e, por isso, deveria ter concorrência entre vários operadores para melhorar o serviço e baixar os preços. A lógica do transporte interestadual de passageiros é de rede, não é ligar um ponto ao outro; nesse trajeto existem inúmeras linhas secundárias que alimentam essa rede principal”, avalia o especialista em regulação e investimentos em infraestrutura. “Essa proposta da ANTT desestrutura toda a rede, e penaliza os passageiros”, conclui ele.
A segunda proposta de alteração no marco regulatório do TRIP que chama a atenção é a criação de janelas anuais de autorização de empresas para atuar no setor. A justificativa é ampliar o nível de concorrência nos mercados de forma progressiva a fim de garantir a proteção ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos já existentes.
Na prática, para os críticos, isso bloquearia a melhora dos serviços, a queda dos preços e a inovação, fomentados pelo aumento da concorrência. “Durante um ano, as empresas sabem que ninguém mais vai entrar no mercado. Sem competição, a tendência é que as tarifas não caiam e a qualidade do serviço não melhore”, diz Freire.
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