“Era uma sexta-feira de manhã, eu acordei e não conseguia acessar o Slack (aplicativo de mensagens) e o e-mail da empresa. Entrei no WhatsApp e outros colegas mandaram mensagens se despedindo porque haviam sido demitidos. Quando finalmente consegui um acesso, vi que eu também fazia parte do corte”, conta o desenvolvedor Rhamses Soares, de 34 anos.
Com 16 anos de experiência, ele passou por uma demissão em massa em uma startup de tecnologia, em fevereiro último.
Pouco mais de um mês depois, Rhamses conseguiu se recolocar, mas com um salário 20% menor — uma realidade que deve se tornar mais comum no mercado de tecnologia, segundo especialistas.
O g1 conversou com profissionais da área e recrutadores para saber quais as perspectivas para os próximos meses. Eles destacaram as seguintes:
- os salários das vagas em tecnologia devem passar por um processo de congelamento, com o estouro da “bolha” de valores muito altos para atrair talentos;
- isso tem a ver com as demissões em massa nas empresas do setor, que estão devolvendo ao mercado mão-de-obra qualificada que antes era mais disputada;
- de 2022 para 2023, o salário inicial para um desenvolvedor sênior, por exemplo, teve aumento 30% inferior ao observado período anterior, segundo dados da consultoria Robert Half;
- assim, o mercado continuará gerando vagas para profissionais de tecnologia , mas as oportunidades devem vir principalmente de empresas de outros setores, como os de finanças, saúde e educação;
- dois perfis devem continuar em alta: o de profissionais com menor nível de experiência (que ganham menos) e os especialistas em segurança da informação, área que deve continuar com remuneração mais alta.
Do ‘boom’ ao salário menor
Rhamses trabalhou por mais de quatro anos na equipe de tecnologia de uma operadora de planos de saúde.
Em outubro do ano passado, recebeu uma proposta para atuar também como desenvolvedor em uma startup de seguros. Surfando no “boom” da área de tecnologia, onde sobravam vagas e bons salários, decidiu embarcar na nova jornada.
“A proposta era muito melhor, eu ganharia o dobro do salário, fazendo basicamente a mesma função, também no modelo CLT”, explica sobre a troca de empresa.
A troca, no entanto, não terminou da melhor forma. Menos de cinco meses depois, em fevereiro, foi mandado embora quando a empresa demitiu boa parte de seu quadro de funcionários.
“Fui demitido dois meses depois de terem dito que não demitiriam ninguém”, conta Rhamses. “A justificativa foi que fizeram a conta errado, que acharam que seria difícil, mas a verdade é que estava muito pior do que imaginavam. Basicamente, todas as 20 e poucas últimas pessoas que tinham contratado foram demitidas.”
O desenvolvedor teve dificuldades para encontrar uma vaga com bom salário e que permitisse a flexibilidade do home office. Ele precisou contatar toda sua rede de networking por cerca de um mês e meio até conseguir uma oportunidade.
Com essa experiência, percebeu que o salário que recebia na startup era muito maior do que o oferecido pelo mercado nacional atualmente, independente do modelo de contração.
No fim de março, ele foi contratado por outra operadora de plano de saúde, com um salário menor e como PJ, deixando de ter carteira assinada pela primeira vez em mais de cinco anos.
“Vai impactar na receita do meu mês, mas fiz essa escolha para tentar equilibrar qualidade de vida, trabalho decente e salário”, destaca.
Impacto das demissões em massa
Segundo a plataforma Layoffs Brasil, apenas nos primeiros três meses deste ano mais de 30 empresas da área de tecnologia realizaram cortes.
Os desligamentos estão relacionados a uma mudança estrutural, explica Lina Nakata, professora da FIA Business School e pesquisadora FEEx.
Ela afirma que, até pouco tempo, havia uma baixa oferta de profissionais de tecnologia, enquanto a demanda pela mão-de-obra nas empresas não parava de crescer.
Isso levou as companhias a contratarem funcionários por um salário muito maior do que o comumente praticado no mercado, com o objetivo…
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