É praticamente consenso entre a comunidade científica que as mudanças climáticas estão se acelerando, e cada vez mais evidente aos olhos do mundo a série de eventos extremos que têm varrido o Planeta. Mesmo assim, parece que os governos estão se mexendo pouco para cumprir as metas do Acordo de Paris, que prevê limitar o aumento nas temperaturas em apenas 1.5 grau Celsius até o final do século, em relação à era pré-industrial. Um levantamento da ONG britânica International Institute for Environment and Development (IIED) mostrou que os países signatários da convenção do clima não cumpriram 60% das metas previstas para este objetivo.
Mas o que está “travando” este trabalho tão importante e urgente? O problema vai além de simples má vontade política, segundo a organização. Durante a Semana do Clima em Nova York, a IIED lançou uma campanha que lista alguns dos “freios invisíveis” que impedem as boas intenções de virarem prática concreta. Alguns são fortemente vinculados a outros e parecem até óbvios à primeira vista, mas há aqueles que também podem surpreender. Confira:
Dívida externa
É isso mesmo. Muitos dos países que mais sofrem com as mudanças climáticas, especialmente os em desenvolvimento, têm dívidas externas muito altas com bancos de desenvolvimento ou no mercado financeiro, o que praticamente inviabiliza qualquer investimento em infraestrutura que os proteja dos efeitos das mudanças climáticas. Um exemplo são os 37 países-ilha em desenvolvimento, que segundo o IIED, receberam U$$ 1,5 bilhão em financiamento internacional para mitigar os efeitos do aquecimento global entre 2016 e 2020, mas durante o mesmo período, 22 deles tiveram que pagar U$ 26,6 bilhões ao seus credores externos.
Não só a conta não fecha, como alguns dos países na África e Ásia que são mais vulneráveis a eventos extremos de clima gastam mais em sua dívida externa do que em ações paras prevenir e mitigar o aquecimento global. Ao mesmo tempo, eles são os que tradicionalmente menos contribuem em emissões de gases de efeito estufa.
Quebra-de-braço entre empresas e países
No mundo do comércio exterior existe um mecanismo chamado arbitragem de litígio investidor-Estado, que permite uma empresa ou investidor acionar o governo de um país caso se sinta lesado por perder dinheiro. Isso está afetando as metas do Acordo de Paris porque em muitos casos, algumas iniciativas impactam diretamente o bolso de gente que investe em empresas de óleo e gás, por exemplo. Além disso, muitos casos são protegidos pelos 2.500 acordos comerciais bilaterais ainda vigentes, e que por serem muito antigos, protegem diretamente o bolso dos envolvidos, sem levar em conta qualquer impacto ambiental.
É uma situação mais comum do que parece. Uma empresa britânica processou e ganhou US$ 190 milhões do governo italiano que a proibiu de fazer qualquer projeto de perfuração em até 19 quilômetros da costa. Outros exemplos incluem empresas acionando o governo americano por cancelar o gasoduto Keystone XL ou a Holanda pelo plano de fechamento gradual de suas usinas de carvão. O potencial estrago não é pequeno. Uma estimativa publicada no ano passado na revista Science mostrou que US$ 340 bilhões de orçamentos nacionais podem “travar” com esse tipo de ação judicial. Para se ter uma ideia do que isso significa, isso é mais do que o valor total (US$ 321 bilhões) que todos os países do mundo gastaram com ações para combater as mudanças climáticas em 2020, segundo o IIED.
Subsídios, sempre eles
Sim, muitas economias ainda dependem de setores que impactam negativamente o clima, e não estamos falando só de combustíveis fósseis como petróleo e gás, não. Nesse bolo entram agricultura, pecuária, ração animal, siderurgia e produção de cimento e concreto. Todos esses setores causam muitas emissões de carbono, e são partes muito importantes de vários Produtos Internos Brutos por aí, inclusive do Brasil. E nem todos os países ou associações empresariais são bem-sucedidos em divulgar e estabelecer práticas mais sustentáveis dentro desses setores.
A corrida de obstáculos da burocracia
Os bilhões dos financiamentos globais destinados a combater as mudanças climáticas vai se perdendo pelo caminho da papelada de intermediários, especialistas, projetos, planilhas, auditorias e planilhas e inevitáveis atrasos que algumas estimativas mostram que a porcentagem do destino que efetivamente chega no beneficiário final é ínfima.
Em outros casos, o projeto inteiro é feito sem consultar a população local, e o trabalho acaba não chegando aos resultados esperados ou necessários, e o dinheiro acaba sendo desperdiçado.
Má vontade com tecnologias verdes
Em alguns países, inclusive na Europa, gasta-se mais tempo conseguindo as permissões necessárias para conseguir uma autorização para construir uma usina eólica do que a construção propriamente dita. Adquirir equipamentos em larga escala, como frotas de veículos elétricos, ainda pode ser ou proibitivo para alguns países, ou completamente fora dos processos de aquisição de outros países, que precisam se adaptar aos novos tempos. Burocracia, novamente ela.
Fazer cumprir a lei
Em muitos casos, como no Brasil, a legislação ambiental é boa, mas falta vontade e às vezes infraestrutura, para executá-la adequadamente.
Quando a fiscalização é ágil, as multas são apropriadas, processos andam com prazos adequados, tudo isso tem um efeito cumulativo positivo que reduz a sensação de impunidade e as metas do clima têm mais chance de serem cumpridas.
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