Se no início do século 20 a imagem de pessoas negras na literatura brasileira era invisibilizada, foi a partir do ano de 1920 que esse cenário começou a se transformar. Com o processo de modernização no Brasil naquele período, as pessoas negras passam a ser incluídas na literatura, no entanto, ainda em um lugar pejorativo, marcadas por termos de cunho racista e remetidas à escravidão.
Nesse cenário, a criança negra ou o jovem negro foram totalmente invisibilizados, pois no período de pós-abolição era visto como “perigoso”, segundo cita o artigo “A representação do negro na literatura infantil brasileira”, da professora Jéssica Oliveira Farias, mestra em Práticas de Educação Básica.
“Enquanto os negros ou negras velhas das zonas rurais eram caracterizados como trabalhadores, afetuosos, contadores de histórias populares, últimos representantes do folclore nacional, a representação do negro da cidade era bem diferente. De modo contrário à imagem do velho, o negro jovem quase não aparece nas obras de literatura infantil. Isso porque este era visto como perigoso, ladrão, mendigo, um reflexo do jovem negro na sociedade urbana pós abolicionismo”, cita um trecho do texto.
Nos últimos anos, com a articulação do movimento negro, projetos e leis que incentivam o ensino da história afro-brasileira nas escolas, escritores negros têm feito um movimento para posicionar as crianças negras em lugar de protagonismo ao abordar temas como ancestralidade, combate ao racismo, diversidade e outros.
Autor do livro “O Pequeno Príncipe Preto”, o escritor, professor e dramaturgo Rodrigo França conta que produziu a obra como uma forma de provocação ao livro “O Pequeno Príncipe”, do escritor e ilustrador francês Antoine de Saint-Exupéry, lançada em 1943.
À Alma Preta, o autor explica que o motivo de ter adicionado a palavra “preto” no título da obra se deu por uma escolha de destacar a questão racial do protagonista, um menino preto.
“Muito mais do que ter uma sonoridade no Pequeno Príncipe, é reafirmar esse menino como retinto porque os poucos livros que colocam meninos negros como protagonista, esse menino ainda é um negro de pele clara e o meu desejo enquanto artista é permear pelas nossas subjetividades e pelas nossas diferentes formas de negritude, principalmente de coloração de pele”, explica.
A história do livro “O Pequeno Príncipe Preto”, que conta com ilustração de Juliana Borges Pereira, surgiu antes do seu lançamento, em 2020. Foi nos palcos do teatro que Rodrigo França e o ator Junior Dantas resolveram produzir uma nova narrativa sobre a obra.
Na história original, o baobá, árvore originária da África, é vista como uma erva daninha que tem o poder de destruir o planeta. Já em “O Pequeno Príncipe Preto”, França resgata a representatividade do baobá na cultura africana em que o protagonista tem a árvore ancestral como a sua única companheira.
“Eu leio e escuto de crianças que ‘O Pequeno Príncipe Preto’ é um grande amigo, ou seja, possivelmente, para algumas crianças é o lugar da solidão quando você pensa, principalmente, em escolas de classe média e escolas privadas. A estrutura perversa do negro único ainda está na infância e ter esse livro faz com que esse personagem seja um grande companheiro”, ressalta.
Após o sucesso da obra, França atualmente trabalha em um novo projeto. Com exclusividade à esta reportagem, o escritor adiantou que produz no momento um novo livro infanto-juvenil, ainda sem revelar o nome, sobre a morte a partir da filosofia iorubá. A nova obra terá como ilustradora uma mulher negra, a Preta Ilustra.
A escolha pelo tema, segundo o escritor, tem como objetivo romper com a visão ocidental sobre a morte como algo perverso. “Há uma necessidade, desde já, de discutir sobre elementos que são fundamentais para a nossa existência como a morte, como a perda, e trago um menino que encara a morte a partir da poesia e da beleza”, detalha.
A importância da diversidade
Atuante no mercado financeiro e formada em engenharia de produção, Aline Carvalho nunca havia tido contato com a produção literária até ouvir o relato da filha Laura, uma criança negra de seis anos.
Ao chegar da escola, a pequena comentou com a mãe que a professora havia dito que todas as crianças tinham cor “natural”,…
Read More: qual a importância para as crianças?