Voz potente no Judiciário, a ministra-substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edilene Lôbo, é a primeira mulher negra em uma Corte Superior do país, destaca a educação como uma das principais razões que a ajudaram a chegar ao cargo atual. Segundo ela, um dos maiores desafios das mulheres negras é “superar a pobreza”.
“Precisamos trabalhar a distribuição da riqueza e o acesso à educação para as pessoas negras em qualidade, em quantidade, por isso que cotas nas universidades revelam um programa de inclusão tão importante”, afirma a magistrada mineira, defendendo mais oportunidades para os negros em geral, que são maioria da população 56%.
Formada em Direito pela Universidade de Itaúna, mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutora pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Lôbo foi professora convidada da universidade parisiense Sorbonne no primeiro semestre deste ano e assumiu cadeira no TSE em agosto.
Apesar de ter sido mencionada como um dos nomes para a vaga deixada pela ministra Rosa Weber, no Supremo Tribunal Federal (STF), Lôbo evita polemizar em relação ao fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmar que não pretende considerar raça e gênero para a indicação. Reconhece que o processo de escolha para uma vaga nas Cortes Supremas é “é cheio de percalços”, mas reforça que “há mulheres negras preparadas para ocupar uma cadeira na Suprema Corte brasileira”.
A seguir, os principais trechos da entrevista com a ministra do TSE ao Correio, primeira da série Vozes Negras, que terá entrevistas e reportagens relacionadas ao mês da consciência negra.
Em seu primeiro discurso no plenário do TSE, a senhora destacou que somente 5% da magistratura nacional é composta por mulheres negras, menos de 1% no Senado e cerca de 6% na Câmara, além de ser apenas 3% em cargos de liderança no mundo corporativo. Ao mesmo tempo, destacou que 65% das mulheres negras no país são empregadas domésticas. Como avalia esse cenário?
Antes, queria acrescentar nesses números que 68% das encarceradas são negras jovens e é uma população que cresce. Uma mulher negra recebe 48% do salário de um homem branco desempenhando a mesma atividade. Uma das maiores jornadas de trabalho do mundo é a brasileira e a maior parte das pessoas negra. Eu fico muito preocupada e, ao mesmo tempo, revoltada com essa incompreensão dessa realidade excludente. Nós temos problemas seculares, mas, a despeito desses muros, as mulheres negras lutam com firmeza, lutam com muita coragem e, igual às outras pessoas, precisam de boas oportunidades. Tenho uma função temporária. Embora seja um cargo unipessoal, não é meu, é de uma coletividade. Por isso que eu encaro o meu trabalho aqui com muita seriedade, com preocupação, sabendo que há muitas dificuldades para que numa função dessa, que é importante, mas que tem uma limitação natural.
Quais são os principais obstáculos para as pessoas negras atualmente?
Os desafios para as pessoas negras em geral, especialmente mulheres, e aqui falando da minha trajetória, é exatamente ter acesso a oportunidades, a boas condições de trabalho e à renda. O grande desafio das pessoas negras, das mulheres negras é superar a pobreza. É preciso, portanto, ter projetos e programas eficazes de enfrentamento à pobreza. As políticas públicas distributivas têm que colocar o maior contingente da população brasileira em primeiro lugar. Mulheres negras são 28% da população. Para que nós possamos começar a fazer um diálogo com alguma possibilidade de em algum momento — que eu não sei te dizer quando, eu anseio que seja logo — nós possamos falar de igualdade racial. O meu grande desafio foi superar as dificuldades econômicas, superar a pobreza. Os grandes desafios que eu vejo envolvem superar pobreza, falar de política distributiva, é oferecer, ampliar boas oportunidades de estudo, de trabalho decente e, principalmente, essa compreensão de que uma sociedade como a nossa, construída sobre o trabalho do povo negro. Não pode manter esse povo relegado a esse plano inferior excludente, nas cozinhas e nas cadeias, como vemos nos números que nós examinamos.
Como foi a sua trajetória até se tornar ministra de uma Corte Superior?
Eu venho de Minas Gerais, do extremo norte do meu estado, uma região reconhecidamente pobre. Vim de uma família muito…
Read More: ‘Há muitas mulheres negras preparadas para a Suprema Corte”