O governo deflagrou na terça-feira, 14, uma corrida nas varejistas com a revogação, pelo Ministério do Trabalho, de uma portaria de 2021 que permitia a abertura do comércio aos domingos e feriados a partir de um acordo entre o estabelecimento e o trabalhador, sem a necessidade de convenção coletiva e intermediação de sindicatos.
“Está um caos porque tem feriado na segunda-feira (20) e todos foram pegos de surpresa”, diz João Pedro Eyler Póvoa, sócio da área trabalhista do Bichara Advogados e que atende a diversas redes de varejo com presença nacional. A decisão do poder público foi considerada pelo setor como mais uma a criar entraves a um ano já difícil.
Além dela, o governo permitiu, em agosto, que produtos de até US$ 50 fossem comprados com isenção de imposto de importação, com a implantação do programa Remessa Conforme. A medida aconteceu após a ampla repercussão negativa, junto aos eleitores das classes C e D, do anúncio de taxação de todas as compras feitas em marketplaces internacionais, sobretudo chineses.
Também uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), instado a julgar um pedido de que mulheres deveriam ter folgas quinzenais, tem deixado as empresas arrepiadas.
As medidas aconteceram num período particularmente ruim para o varejo. O ano de 2023, que começou com juros altos, consumidores endividados e sem grandes eventos esportivos, já prometia ser ruim de vendas, após o longo período de seca causado pela pandemia. Mas o rombo das Americanas, anunciado logo em janeiro, deixou um cenário de terra arrasada e secou totalmente o crédito nos meses seguintes.
Como consequência, dezenas de empresas da área tiveram de recorrer a pedidos de proteção judicial e extrajudicial contra credores. Além disso, entre as empresas da área listadas no Ibovespa, há ações cujas perdas superam 75% no ano, como no caso do Carrefour. Só Raia Drogasil tem ganhos no ano.
“É preciso entender que, quando o varejo é afetado, há impactos em toda a cadeia de valor do consumo: a indústria que fornece aos lojistas e os serviços que os atendem também entram nesse processo de deterioração”, diz Marcos Gouvêa de Souza, diretor-geral e fundador da Gouvêa Ecosystem, consultoria especializada na área.
No caso da volta dos sindicatos à negociação da abertura aos domingos e feriados, Póvoa vê como custo e trabalho extra à vida já atravancada das redes. “As empresas, que durante 2022 e 2023 excluíram essa demanda das negociações coletivas, terão agora de negociar caso a caso, tanto em sindicatos nacionais quanto nos estaduais e municipais. Em algumas empresas, serão 40 ou 50 acordos coletivos refeitos”, diz ele.
“Também terão de pagar homologações aos sindicatos para fecharem novamente esses acordos e estarão sujeitas a multas, caso não o façam. Terão despesas internas e mais demanda de trabalho em seus departamentos jurídicos e fornecedores externos. É mais custo na veia.”
Os sindicatos, evidentemente, têm outra visão. Para eles, sua intermediação nas negociações era uma prática já adotada, e a iniciativa do governo trouxe de volta “a dignidade do trabalhador, que não tem poder de voz para negociar individualmente com o patrão”, segundo Nilton Neco, presidente nacional do secretariado dos comerciários da Força Sindical.
“Nos governos Temer e Bolsonaro, a porteira estava aberta para o patrão fazer o que queria”, diz ele. “A negociação coletiva mostra que o País está em plena democracia e só voltamos a uma prática que já tínhamos, e era prevista em lei.”
Segundo ele, é comum que as centrais sindicais se unam para atender às negociações de empresas com presença em diferentes Estados e municípios, sem a necessidade de múltiplas negociações. Também diz que poucos sindicatos cobram por homologações nos acordos coletivos. Além disso, afirma, dificilmente as legislações municipais — outra alternativa concedida à abertura das lojas — são contrárias ao tema.
De toda forma, os especialistas dizem que a iniciativa reforça o modelo paternalista de Estado, criado na era Vargas. “O Brasil caminhava no sentido de evitar a presença do Estado em situações…
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