O aumento da permissão de uso de psicodélicos como terapia promete transformar a forma como vemos o extraordinário.
Foi em 1971 que Rick Doblin usou LSD pela primeira vez.
Era uma tarde de sábado na Flórida, em suas primeiras semanas na faculdade. Quatro anos haviam se passado depois do Verão do Amor – quando milhões de jovens invadiram São Francisco, Londres e outras cidades em meio a música e drogas -, mas os psicodélicos ainda circulavam pelo campus.
LSD, ou Dietilamida de Ácido Lisérgico 25, é uma substância ardilosa. Imitando a morfologia da serotonina, ela bloqueia as sinapses dos receptores 5-HT2A do cérebro para acionar uma onda evidente de cognição: rupturas drásticas de visão, padrões de pensamento, crenças e emoções.
Em uma hora, os efeitos da substância se manifestam. Surge uma sensação estranha, difícil de ser descrita. Formas e caleidoscópios podem surgir e dançar em sincronia.
Poderão surgir conexões sinestésicas – quando você consegue ouvir ou sentir o gosto das cores. Dependendo da dose, no pico da droga você pode ser atirado para uma dimensão totalmente alterada: um lugar esquisito, cheio de entidades, cobras, desenhos atrás dos olhos, cadeias de DNA e uma admiração radicalmente ampliada de arte e estética. Ou algo muito mais sombrio.
O mundo de Doblin zumbia, palpitava, cantarolava. Depois de flutuar pela cantina do campus, ele voltou para o dormitório para ter uma viagem interior.
Observando seu amigo – também sob uso de LSD -, Doblin foi surpreendido por uma visão nova. Ele não só deduzia os pensamentos e emoções do colega. Doblin conseguia vê-los, claros como o dia. O conforto, bem-estar e o calor do seu amigo eram tão visíveis quanto seus braços e pernas.
As experiências transformadoras são diferentes da maioria, mesmo das mais dramáticas.
Doblin queria sentir-se livre. Ele estava se desfazendo. Na sua própria rotoscopia do LSD, Doblin havia voltado a ser criança – não mais um adulto – e o desequilíbrio entre as emoções e o intelecto que dirigia sua vida diária era sensível. Mas Doblin percebeu que ele se sentia assim por um motivo. E isso significava que ele não era estático. Ele podia mudar as coisas. Ele podia ser livre.
Para o filósofo L. A. Paul, a experiência de Doblin pode ser descrita como “transformadora”. Elas não são como a maioria das experiências, mesmo as mais dramáticas. O que as torna especiais é a forma como elas mudam uma pessoa: suas preferências, ideias e identidades são viradas do avesso. Quando Doblin fez sua primeira viagem, talvez ele não tivesse percebido que, no dia seguinte, ele não seria a mesma pessoa.
Doblin depois soube que ele estava a caminho de algum lugar. Ele faria outras viagens – muitas das quais foram desestabilizadoras – mas divulgar o potencial terapêutico das drogas psicodélicas tornou-se a missão da sua vida.
Hoje, Doblin é o executivo fundador de uma organização sem fins lucrativos chamada Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, na sigla em inglês), cujo propósito é aproximar as drogas psicodélicas do uso mainstream (convencional) na medicina e em outros campos. A organização aconselha os cientistas a conduzir testes e obter financiamento, além de trabalhar em estreita colaboração com os órgãos reguladores.
Os esforços de Doblin e de outras pessoas estão sendo finalmente recompensados. Nos últimos dez anos, drogas psicodélicas como o LSD, cogumelos mágicos, DMT, uma série de “remédios vegetais” – incluindo ayahuasca, iboga, sálvia alucinógena e peiote – e compostos relacionados, como MDMA e cetamina, começaram a perder grande parte do estigma adquirido na década de 1960.
Testes clínicos promissores sugerem que os psicodélicos podem tornar-se tratamentos inovadores contra a depressão, transtorno de estresse pós-traumático e vício. Grande parte da comunidade psiquiátrica, em vez de mostrar-se depreciativa ou mesmo cética, tem reagido de forma receptiva. As drogas podem marcar a primeira mudança de paradigma neste campo desde os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (SSRIs, na sigla em inglês) na década de 1980.
Em 2017, por exemplo, a Agência reguladora de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) declarou o MDMA – o princípio ativo do ecstasy – como…
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