Não são muitos que se arriscam a compreender o fenômeno do socialismo de mercado na China. A maioria prefere seguir o discurso teleguiado contra a China, cheio de preconceitos e mentiras. Estranha muito que, apesar da posição da China no mundo hoje, no Brasil ainda se entenda a China como uma país exótico e que deve ser evitado de toda forma. Os jornais apenas destacam notícias esdruxulas e costumam fazer análises sobre a “crise na China” ou destacar que é uma “ditadura”, certamente sem nada a acrescentar. A propaganda anticomunista reforça ideias de que se trata de um país que mistura capitalismo selvagem, ditadura e escravismo, numa mescla do que de pior existiria. Qualquer um que fale sobre a China precisa sempre repetir estes mantras, como uma verdade absoluta.
Essa cegueira ideológica leva a uma situação em que o desconhecimento é tão elevado que ninguém sabe como a China se tornou uma potência mundial ao mesmo tempo que o Brasil vive uma decomposição econômica, política e social. É como se uma força da natureza levasse a China a se tornar o maior país manufatureiro do mundo, num contexto em que, dos 500 principais produtos industriais do mundo, a produção chinesa de mais de 220 deles ocupa o primeiro lugar. Do ponto de vista do desenvolvimento científico e tecnológico, a China se tornou o país com o maior número de pedidos de patentes do mundo em 2011, e manteve essa posição até agora, em uma tendência de expansão contínua, com os Estados Unidos em segundo lugar. Será que tudo isso é por conta do “livre mercado neoliberal”?
Nesta situação inusitada, queria destacar quatro pesquisadores brasileiros que apresentam uma contribuição na elaboração sobre a China.
Theotonio dos Santos, num artigo chamado “O consenso de Pequim”, de 2005, apontou importantes fundamentos e perspectivas da economia chinesa, que vinha crescendo mais de 9% por mais de 20 anos. Conforme Theotonio, o crescimento chinês,
ao contrário de produzir pressões inflacionárias, diminuiu drasticamente o preço dos produtos industriais e de muitos serviços no mundo. E apesar de ter produzido uma pressão no preço das commodities, ao aumentar a demanda, este fenômeno não conseguiu produzir uma pressão inflacionária mundial. Pelo contrário, o mundo vive nos últimos anos (desde a década de 90) uma forte deflação mundial. […] O êxito chinês coloca sua economia e sua sociedade em um novo nível. Por sua dimensão e por sua importância demográfica e histórica, a China não é uma pequena “ameaça” de competição na economia mundial. Sua experiência econômica é um novo modelo? Cada país tem sua especificidade institucional, cultural e socioeconômica da qual deve partir para propor o desenvolvimento. Mas não há dúvida de que mais igualdade social, mais democracia e mais utilização do Estado como unificador de políticas de crescimento e desenvolvimento de recursos humanos podem ser definidos como as bases deste novo consenso. Uma macroeconomia do crescimento com juros baixos, moeda relativamente desvalorizada para aproveitar a expansão do mercado mundial, políticas públicas austeras em seus gastos administrativos, mas generosas em seus gastos produtivos, devem servir de referência para este novo consenso. Uma economia política micro e macro, fundada numa visão institucional e social da economia, será outro elemento-chave deste consenso.
A partir de 2006, o economista Antônio Barros de Castro passa a ter um olhar atento em relação à China. Ele considerava que o desenvolvimento do país asiático alterou radicalmente a economia mundial. Ele dizia: “existe na China uma lógica econômica que não se dá por acidente”. Segundo o professor, é ingênuo pensar que as empresas chinesas são competitivas apenas porque pagam salários baixos. Pelo contrário, há toda uma estratégia em torno do baixo custo. Segundo ele, os chineses não se preocupam em usar estados da arte da tecnologia, buscam unir soluções que garantam eficiência e competitividade. Castro sempre destacava o papel crucial dos “dragõezinhos” na economia chinesa, a nova geração de empresas chinesas que combinam alta tecnologia com processos de produção tayloristas,…