O dinheiro é o meio que viabiliza as trocas. Mas isso é pouco, pois também tem a capacidade de ser estocado, seja pelo medo do futuro ou mesmo por representar a forma mais líquida de riqueza, numa economia marcada pelo entrelaçamento de ativos e passivos entre pessoas, empresas e governos.
A taxa de juros emerge daí. Da mediação entre aqueles agentes que precisam de dinheiro e aqueles que o possuem e se dispõem a emprestar sua forma mais líquida de riqueza. Com a estruturação de economias complexas, com livre fluxo internacional de divisas e integração financeira, a taxa de juro alcançou a condição de ferramenta mais essencial da política econômica.
O Brasil passa por um momento de intensa discussão sobre a taxa de juro. O Banco Central (BC) do Brasil finalmente aceitou a realidade de que o juro básico de toda a economia (Selic) em 13,75% ao ano (a.a.) já não fazia sentido em meio à desaceleração econômica e à reversão das expectativas inflacionárias.
Com a estimativa média do mercado de Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) abaixo de 4% em 2024, a Selic em 13,75% resulta em taxa real de juro de quase 10% a.a. Agora, com o valor de 13,25%, o juro real ainda está próximo de 9%.
Por que a taxa segue sendo estratosférica? O excelente texto do Relatório de Inflação de junho de 2023, do próprio Banco Central, pode qualificar o conceito e a discussão sobre a taxa de juros neutra. No box Taxas de juros neutras: evidência internacional, a definição está posta: “A taxa neutra é a taxa de juros real consistente com a economia em pleno emprego e a inflação na meta. Quando a taxa de juros real ex-ante da economia (…) está no mesmo nível da taxa de juros real neutra, a política monetária não é nem contracionista nem expansionista, a demanda cresce em linha com o crescimento potencial da economia e a inflação está na meta”.
Qual será esta taxa de juros neutra? O mesmo Relatório de Inflação do Banco Central, de março deste ano, aponta 4,0% a.a. para um período mais longo, apresentado em box do mesmo relatório de dezembro de 2021.
A literatura internacional discute os determinantes da taxa neutra de juro e identifica mudanças demográficas, desaceleração do crescimento da produtividade, aumento da desigualdade de renda e efeitos de políticas públicas como preponderantes. Todos esses elementos jogaram importante papel na forte tendência à queda da taxa neutra em economias desenvolvidas e emergentes, desde os anos 80 do século 20. Na ponta inversa, o crescimento das dívidas públicas pesa como elemento mais importante para aumentar a taxa.
Na comparação realizada pela autoridade monetária nacional acerca das estimativas de taxas neutras para outros países, uma perplexidade emerge. As taxas de Índia, Estados Unidos, Chile e Reino Unido variam entre 0,6% e 1,0% a.a. As taxas mais altas são as de México (2,6%) e Colômbia (2,0%). No caso do Brasil, a taxa é simplesmente 4,5%. Não há explicação para uma diferença desta.
Mas não para por aí. O relatório de março deste ano, a partir de diversos modelos, afirma que, para o Brasil, a taxa real de juros deve atingir 7% ao final de 2023, 5,6% ao final de 2024 e 4,8% ao final de 2025. Muito acima da taxa real neutra de 4% estimada pelo Banco Central, indicando uma forte posição contracionista da política monetária.
Mas qual a razão para tamanho juro real, tão acima da tal taxa neutra? E o que explica o juro neutro do Brasil ser tão maior que o da quase totalidade dos países?
Pior ainda, na literatura a taxa neutra de juros é aquela capaz de manter a inflação em linha com a meta e a “economia em pleno emprego”, como o relatório citado indica. Não parece ser essa a situação de nossa economia.
A realidade do trabalho no Brasil é diferente. Numa força de 107,6 milhões de pessoas, temos 8,6 milhões de desempregados, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, para o segundo trimestre de 2023. Muita gente não procura emprego pelo desalento e nada menos do que 13,1 milhões de trabalhadores no setor privado não têm vínculo formalizado pela assinatura de carteira de trabalho, enquanto 25,2 milhões são trabalhadores por conta própria e grandes “empreendedores por necessidade”, frequentemente muito endividados.
Read More: A grande incógnita da taxa neutra de juros