- Author, Juan Francisco Alonso
- Role, BBC News Mundo
A pequena cidade de Grafton, no nordeste dos Estados Unidos, na fronteira com o Canadá, foi palco de uma experiência política sem precedentes no início dos anos 2000.
Um grupo de libertários se instalou no povoado e colocou suas ideias em ação, reduzindo regras e impostos para provar o entendimento de que a intervenção governamental é opressiva, desnecessária e produz pobreza — e que, se a sociedade agir por conta própria, ela florescerá e será capaz de se autorregular.
No entanto, depois de alguns anos, o experimento acabou em tragédia: sem estrutura devido à deterioração dos serviços públicos, tomada pela violência e pelo crime, Grafton chegou à gota d’água com uma série de ataques de ursos-negros contra os moradores.
Experimento único
“Em 2004, centenas de pessoas se mudaram para Grafton para fundar o que chamaram de Projeto Cidade Livre e demonstrar a viabilidade do libertarianismo, criando uma comunidade utópica”, diz o jornalista americano Matthew Hongoltz-Hetling, que em 2020 escreveu o livro A Libertarian Walks into a Bear (“Um libertário encontra um urso”, em tradução livre), no qual conta a história da pequena cidade.
O libertarianismo é uma corrente político-filosófica que coloca a “liberdade individual como o valor político supremo” e considera que cada pessoa tem o direito de viver a sua vida e de fazer com o seu corpo e bens o que julgar apropriado, desde que não interfira nos direitos de outros fazerem o mesmo, explica o cientista político venezuelano Luis Salamanca.
“Para o liberalismo clássico, o Estado deve ser mínimo. Isto é, aceita-se que o Estado exista, mas apenas como vigilante da atividade produtiva e regulador mínimo. Contudo, para os anarcocapitalistas, que são os libertários mais puros e radicais, isto é opressão. Para os anarcocapitalistas, o Estado é o inimigo e deve ser eliminado”, acrescenta Salamanca, ex-diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Central da Venezuela (UCV).
O libertarianismo está profundamente enraizado nos Estados Unidos desde a sua fundação.
“O melhor governo é aquele que menos governa”, disse Thomas Jefferson, um dos signatários da Declaração da Independência e terceiro presidente dos EUA, lembrou o professor de Teoria Política e História Americana Eric-Clifford Graf.
Graf lembra que o Partido Republicano teve — e ainda tem — alas e pessoas que defendem estas ideias.
“Os libertários pesquisaram dezenas de cidades em New Hampshire antes de se decidirem por Grafton, mas ela atraiu por vários motivos. Lá, vivia um libertário chamado John Babiarz, que estava concorrendo a governador. Também tinha uma pequena população de cerca de mil pessoas, o que significava que um número relativamente pequeno de eleitores libertários poderia exercer enorme influência na aprovação de decretos e impostos municipais”, explica o jornalista.
“E, finalmente, Grafton tinha um profundo histórico de rebelião contra autoridades. No final do século 18, ela votou pela separação do recém-constituído Estados Unidos por razões fiscais. Muitos dos seus habitantes exerceram desobediência fiscal [não pagaram impostos].”
Hongoltz-Hetling conta no livro que, em questão de meses, cerca de 200 libertários — a maior parte dos quais se conheceram na internet — mudaram-se para a cidade para iniciar a experiência.
Os novos moradores eram em sua maioria homens brancos, solteiros e defensores da posse de armas.
Porém, do ponto de vista econômico, o perfil dos recém-chegados era mais variado. Alguns tinham bastante dinheiro, enquanto outros eram pobres e não tinham nada que os ligasse aos seus locais de origem.
Este último fator explica por que o número de pessoas vivendo em casas provisórias ou tendas nas florestas rodeando a cidade aumentou significativamente.
Uma invasão não tão silenciosa
Os novos “graftonianos” logo começaram a ter sua presença sentida.
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