Com risco de inadimplência praticamente nulo e com os maiores juros do mundo, poderíamos dizer que o Brasil é o paraíso das instituições financeiras que oferecem empréstimo consignado, especialmente aos aposentados. É quase uma Disneylândia dos bancos brasileiros.
Da mesma forma que o parque da Disney World encanta crianças ao iludir que o mundo ali é mágico, os bancos brasileiros são tão atraentes quanto para fisgar contratualmente os aposentados — que não conseguem passar o mês com o que ganha — e expandir magicamente seu salário do INSS (e respectivo endividamento).
Nos últimos dez anos, de acordo com estatísticas do Banco Central, o crédito pessoal de consignado para benefícios previdenciários quase quadruplicou, saindo de um volume de R$ 61 milhões/mês para R$ 233 milhões/mês. Somente na primeira metade desse ano foram R$ 1,4 bilhão de empréstimo previdenciário. Em outubro, com a chegada dos empréstimos em benefícios assistenciais, os bancos registraram uma alta de 328,6% na concessão de consignados, aumentando de R$ 1,5 bilhão para R$ 6,7 bilhões em apenas um mês. No trimestre desse ano, a Disney lucrou o equivalente, US$ 1,2 bilhão.
O presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Isaac Sidney, chegou a pronunciar publicamente que os bancos, ao quererem democratizar o acesso ao crédito no país, já concedeu cerca de R$ 15 trilhões em empréstimos.
O setor bancário lucra com pessoas que ganham até o teto máximo da Previdência, atualmente em R$ 7.507,49, como também com o endividamento das camadas mais humilde da sociedade, que recebe R$ 400,00 a R$ 600,00 por mês, a exemplo dos destinatários dos programas sociais de transferência de renda, no perfil de quem está em vulnerabilidade social e financeira, ou benefício de prestação continuada no valor de um salário mínimo. No ano passado, quando a margem do consignável era de 40%, os empréstimos consignados para titulares do Auxílio Brasil (hoje Bolsa Família) chegaram a mais de R$ 5 bilhões em outubro, segundo dados do Banco Central.
Com a troca de governo federal em 2023, a nova gestão do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome vem tentando diminuir a sanha dos bancos em lucrar tanto às custas de famílias pobres. Tentam limitar o comprometimento salarial em função do tipo de benefício, o número de parcelas, a margem consignável e a redução do juro.
Não é tarefa fácil mexer no lucro dos banqueiros. Em março, quando o Conselho Nacional da Previdência Social se atreveu a reduzir o teto de juros de 2,14% para 1,70% ao mês a gritaria foi grande. Não gostaram e retaliaram sutilmente. Alguns pararam de oferecer empréstimo, uma estratégia de fazer birra com o governo, que terminou cedendo e adotou solução “meio-termo” de estacionar o juro mensal em até 1,97%.
Agora, novamente o governo faz nova investida para reduzir os juros. O Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) aprovou nova redução dos tetos de juros dos consignados. O limite para o empréstimo com desconto em folha caiu de 1,97% para 1,91%. Já na modalidade de cartão de crédito, o índice máximo caiu de 2,89% para 2,83%, proibindo bancos e financeiras de ofertar empréstimos com taxas superiores a estes patamares.
Mesmo com tais reduções, o valor dos juros é alto, tendo em vista que os bancos praticamente não têm risco de calote, além de que os aposentados costumam gerar mais dividendos com outros produtos. Os valores — que são descontados da folha de pagamento antes mesmo de os aposentados sonharem em colocar a mão no dinheiro — são o mais caro do mundo. Segundo levantamento do site Moneyou, entre 40 países pesquisados, o Brasil aparece em 2023 pela sexta vez seguida como primeiro lugar mundial de juros reais. A taxa brasileira, descontada a inflação prevista para os próximos doze meses, é de 7,54%. A pesquisa apontou o México em segundo lugar no levantamento, com taxa de juro real de 5,94% seguido por Colômbia de 5,16%. Para se ter uma equivalência, em Portugal os juros reais são de –1,38%.
A lucratividade dos bancos também ocorre em razão da leniência do governo. Todos os meses, as instituições financeiras têm acesso a informações privilegiadas, dados pessoais e financeiros, de pessoas que passaram a ganhar benefício previdenciário ou assistencial. O compartilhamento de dados ocorre à revelia do interessado,…
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