A intenção declarada do governo é colocar em votação ainda este mês no Congresso Nacional o projeto de lei que cria o mercado regulado de carbono no país.
No geral, o texto foi bem recebido por quem acompanha o assunto – e aguarda há anos a definição de um mecanismo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa do setor produtivo.
Ainda existem demandas de alterações pontuais no texto vindas das muitas partes interessadas na precificação do carbono. Mas não se esperam mudanças na essência do PL-412, disseram várias pessoas envolvidas com o tema e que conversaram com o Reset nos últimos dias (todas pediram anonimato para falar livremente sobre as conversas de bastidores).
A opinião unânime é que não existe redação ideal, dada a enorme diversidade de stakeholders: o setor privado – que estará sujeito a novas obrigações legais –, os governos estaduais e municipais, as ONGs, as comunidades tradicionais.
Também ouvem-se relatos de tensões latentes dentro do próprio governo, a exemplo das visões opostas sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Na Esplanada dos Ministérios, desenvolvimento sustentável significa coisas diferentes, dependendo do prédio.
A movimentação em Brasília tem sido intensa desde a divulgação do PL, há duas semanas, e a expectativa é que pelo menos algumas das sugestões de mudança sejam incorporadas. Hoje, as principais discussões se concentram nos cinco pontos abaixo.
(Caso você não esteja familiarizado com o mercado regulado ou com essa proposta mais recente em negociação, recomendamos ler estas duas reportagens:
O que você precisa saber para começar a entender o mercado de carbono
Governo apresenta proposta de mercado regulado de carbono)
A governança
O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) proposto pelo projeto de lei tem uma governança em três níveis.
O principal deles, que cuida das diretrizes gerais do SBCE, fica a cargo do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, um órgão do governo federal já constituído, mas que está inoperante.
A principal crítica a esse ponto diz respeito à concentração de poderes na mão do Executivo. “As empresas, que vão ter de cumprir as obrigações no dia-a-dia, desejam ter mais voz”, diz uma pessoa diretamente envolvida nas conversas com a senadora Leila Barros (PDT-DF), a relatora do PL.
As organizações não-governamentais também ficam de fora dessa máxima instância deliberativa, bem como os governos estaduais e municipais (falaremos mais deles abaixo).
No desenho corrente, todas as partes que não sejam o governo federal só estão representadas no grupo de especialistas que vai prestar assessoria em questões técnicas.
O ponto foi levantado junto a Barros, mas ninguém arrisca uma previsão sobre a receptividade do governo a uma mudança.
A colunista do Reset Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, especializado em políticas climáticas, discute em detalhes a importância de uma governança precisa e equilibrada para o sucesso do mercado regulado.
A natureza jurídica do carbono
O projeto de lei também estabelece, pela primeira vez, a natureza jurídica do carbono. Pela proposta, trata-se de um valor mobiliário que está sujeito às regras da Comissão de Valores Mobiliários.
Uma definição é aguardada há muito tempo, mas pelo menos uma das partes envolvidas não está inteiramente satisfeita com a escolha: os desenvolvedores de projetos de créditos de carbono do mercado voluntário.
Apesar de tratar essencialmente do mercado regulado, este ponto do PL pode acabar afetando também as compensações hoje negociadas livremente, pois o projeto estabeleceria uma regra geral para tudo o que diz respeito a carbono.
Uma das preocupações é o aumento dos custos e da burocracia logo no ponto inicial de uma cadeia que ainda está se desenvolvendo.
“Para ser um emissor de valor mobiliário, são necessários registro e autorização da CVM”, diz em nota a Aliança Brasil NBS, que reúne as empresas do setor.
Além disso, nenhum país trata o carbono dessa maneira, segundo um advogado que acompanha as conversas e é especializado no assunto.
Uma solução “salomônica”, na opinião dele, seria criar algo como um “certificado de depósito de carbono” para lidar com as transações. Os créditos que lastreariam o…
Read More: Cinco pontos de tensão no projeto do mercado de carbono