O economista Alexandre Schwartsman, consultor e ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central, não vê uma saída fácil para a Argentina, independentemente de quem ganhar as eleições no fim de outubro. Em entrevista ao Estadão, ele relembrou a trajetória da Argentina nos últimos anos até chegar a situação atual, de inflação na casa de 100% ao ano.
Na avaliação dele, a proposta do candidato mais votado nas primárias, Javier Milei, é muito difícil de dar certo. O movimento de dolarização da economia, do ponto de vista prático, não tem como fazer. “O que acontece, primeiro, é que não há condições para fazer isso, porque a Argentina não tem dólares suficientes”, diz.
Veja, a seguir, trechos da entrevista:
Dá para fazer um paralelo histórico com o que o Brasil viveu antes do Plano Real?
Politicamente, a coisa é mais complicada na Argentina, porque em cima de tudo isso ainda tem um desencanto muito grande. Você teve ali uma tentativa de um governo supostamente mais liberal com o Mauricio Macri, que, na verdade, não teve condições políticas, coragem, o que quer que seja, para levar adiante um programa de ajuste, aí se voltou ao peronismo, ou melhor, talvez até um kirchnerismo que também foi um fracasso. Aí quando o argentino médio olha ele fala: “Bom, das correntes tradicionais do país, nada de diferente vai vir”. Acho que vem essa vontade de experimentar alguma coisa diferente, mesmo que seja uma coisa diferente ao ponto da insanidade.
Não é possível aplicar a mesma solução que se fez no Brasil na Argentina para solucionar a hiperinflação? Por que não é tão simples assim?
Não é tão simples assim pela inflação, porque eles também aplicaram uma solução. O plano do Domingo Cavallo, a convertibilidade, foi aprovada em 1991, três anos antes do nosso Plano Real, com diferenças importantes, inclusive porque a história é diferente no Brasil e na Argentina. O Brasil conviveu bem com a indexação, por um motivo que a gente não sabe muito bem. Não há nenhum juízo de valor, é só uma observação, que as pessoas conseguiam lidar com o negócio, desde que ele fosse indexado. Então, nós fizemos o nosso truque de estabilização, porque criamos uma moeda indexada que era a URV (Unidade de Valor Real) e em uma determinada data, ela virou a moeda. Aí conseguimos não exatamente trazer a inflação para zero, mas passou de 40% ao mês para 40% ao ano, onde você já consegue jogar.
Argentina é viciada em dólar. Quer dizer, também por razões históricas, a unidade de valor na Argentina era o dólar, então o país fez o plano de convertibilidade, que era basicamente uma fixação de um peso argentino para um dólar, o que transformou o banco central basicamente num agente que deveria trocar dólares por pesos e vice-versa, na paridade sem nenhuma outra função. Eles falavam que era uma caixa de conversão, que era o mecanismo que se descrevia, à época.
Então dava para fazer, nas condições que se tinha, e tinha mais dólar. Não dá para dizer que o Carlos Menem fosse a pessoa mais tranquila da face da Terra. Ele também era um populista. Mas o Menem tinha um controle do seu partido. E pelo motivo que seja, ele acabou se engajando num programa de ajuste fiscal também para sustentar a inflação. Assim, a Argentina sustentou ali, por 10 anos, taxas de inflação muito baixas. Agora as condições que existiam (no passado) para o plano de convertibilidade não existem hoje, que era a fuga de capitais, perda de moeda, o juro ia embora e a economia afundou numa baita recessão, é difícil aguentar isso.
O candidato mais votado, Milei, tem sido visto como radical. O quanto há de realidade e viabilidade nessas propostas dele de dolarizar a economia, fechar o Banco Central e outras?
Eu acho que no campo das intenções, ele realmente quer isso mesmo. Ele realmente acredita que o movimento da dolarização resolveria o problema num certo sentido. Não é uma solução final, mas se a Argentina adotar o dólar como moeda, é como se, quase que por definição, que a inflação Argentina vai ter de ser inflação americana, ou alguma coisa muito perto disso. O que acontece primeiro é que não há condições para fazer isso, porque a Argentina não tem dólares suficientes. Ela precisaria ter dólares suficientes para trocar toda a moeda nacional por uma por moeda estrangeira. Ela não tem isso. Então, esquece.
Do ponto…
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