Lá para o meio de 2020, Luiza*, de 26 anos, estava falida. Não só ela, como toda a sua família, contando o pai, a mãe e a avó materna — todos moradores do Rio de Janeiro. “A gente estava devendo até para o mercado, estávamos pegando comida fiado”, conta a Marie Claire.
Ela procurava estágio em nutrição, faculdade que cursava na época, não só para conseguir as horas complementares para se formar, mas para ajudar a família. Quando enfim veio uma proposta, o contratante disse que Luiza só seria contratada se transasse com ele. “Me senti enojada e fui embora, mas ainda precisava arrumar alguma forma de fazer dinheiro. Pesquisando na internet, encontrei o universo das lives, uma influenciadora dizia que ganhava em dólar e era muito dinheiro. Na hora, vi que aquele era um sinal para começar”, diz.
Na época, Luiza começou as lives em aplicativos voltados só para isso, como o Bigo live e o Live Me, criados em 2014 e 2016, ambos na China. O estilo era o NPC.
NPC, que significa “non-playable character” (“personagem não jogável”, em tradução livre), se resume a pessoas caracterizadas como personagens do universo kawaii, parte da cultura japonesa. É tudo colorido, as vozes são agudas e infantilizadas, os movimentos e falas são repetitivos e estimulados toda vez que a audiência manda “presente”.
Mas LuckyQueen, nome adotado por Luiza, explica que não foi propriamente com as lives NPC que passou a ganhar dinheiro: “Isso dá muito pouco, na verdade.” O que rende um bom dinheiro, segundo a streamer, é a batalha de lives que acontece no TikTok.
Já na live de “tela cheia”, a mais comum, os espectadores mandam ao streamer presentes virtuais em forma de flor, coração, dinossauro, milho, cachorro. Todos os símbolos são revertidos em dinheiro. Uma flor, por exemplo, custará R$ 1 para a pessoa comprar e dará o valor de 0,005 dólar para o criador de conteúdo. O que convertendo para o real dá algo em torno de 30 centavos.
Em resposta, o público ouve: “Milho, milho”, “oh, uma rosa”, “obrigada pelo coração”, “dinossauro, dinossauro”. Simples e direto assim. “O streamer precisa ficar horas e horas fazendo a transmissão para ganhar alguma coisa. É bastante exaustivo”, conta ela.
Conforme as diretrizes do TikTok, dentre todos os presentes que os criadores de conteúdo podem ganhar, os diamantes são os presentes mais valiosos. “Os usuários da plataforma podem escolher os pacotes que querem comprar e doar os ‘presentes’ para o seu streamer preferido. Há pacotes de 70 diamantes por R$3,99 e 350 diamantes por R$19,99, por exemplo. O valor é revertido em dólares para os influenciadores que podem tirar depois, só precisam ter uma conta internacional”, explica a assessoria.
Fenômeno NPC
As lives NPC tornaram-se o assunto dos mais comentados dos últimos tempos após o YouTuber Felca, com seus mais de 3 milhões de seguidores, aderir à tendência como forma de provocação. Felca abriu uma live NPC para testar o modelo e percebeu que podia ganhar muito dinheiro com aquilo. Não demorou para a internet replicar o feito. O resultado? Basta acessar o TikTok na aba de “ao vivo” a qualquer hora do dia para se deparar com o fenômeno NPC.
“Antes, ninguém divulgava esse tipo de conteúdo, não porque tinha vergonha, mas porque não queria que todo mundo soubesse e a concorrência ficasse maior”, afirma Luiza.
No primeiro mês fazendo as tais lives, Luiza ganhou limpo 4 mil reais, quantia que nunca tinha visto antes. A caracterização era bem no estilo kawaii: espartilhos coloridos, maquiagem que deixava os olhos maiores e as bochechas mais rosadas igual a um personagem de anime, perucas coloridas e orelhinhas de raposa.
“Minha mãe na época achou que era uma bobagem, ou que eu estava virando camgirl [termo utilizado para descrever mulheres que fazem performances em frente à câmera em sites de conteúdo adulto]. Quando ela viu o dinheiro entrando, ficou mais calma, mas ainda assim queria que eu voltasse para a faculdade. Mas acabei trancando para me dedicar às lives”, continua.
Lucky ficou mais ou menos um ano fazendo lives na Live Me. Por mês, faturava em torno de 10 a 15 mil reais. Até que, em fevereiro de 2021, recebeu o convite do…
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