Texto: Tássia Kastner, Luciana Lima e Alexandre Versignassi | Design: Juliana Krauss | Ilustrações: Estúdio Caxa
Segunda-feira. Day trader que é day trader acorda cedo. Faz exercícios, prepara um suco verde com água de coco e liga o computador. É um profissional focado, e tudo precisa estar pronto para a abertura do mercado de dólar, às 9 da manhã.
Os preços do dólar no home broker começam a piscar, variando o tempo todo. Nosso day trader aposta que a moeda americana vai subir bem nos próximos minutos e faz uma compra a R$ 5,40. O dólar sobe e vai a R$ 5,50 em meia hora. Bora vender. R$ 1 mil de lucro e meta do dia cumprida. Fim de expediente, às 9h30 da manhã.
Terça-feira, 10h30. O Ibovespa cai de 100 mil a 98 mil pontos. Mas o nosso trader já estava preparado. Meia hora antes ele tinha apostado na queda do índice. Quanto mais a bolsa tombasse, melhor seria para ele. Só esses 2% de queda, então, renderam R$ 1,2 mil. Meta batida com louvor. Está chovendo lá fora. Partiu Netflix.
E segue assim a vida do nosso day trader. R$ 1 mil a cada dia útil. R$ 20 mil por mês sem fazer nada que dê para chamar de trabalho.
Bom demais para ser verdade? Claro. É impossível ganhar dinheiro na bolsa todos os dias sem ter nascido com o dom de prever o futuro. Mesmo assim, cada vez mais gente tem tentado a sorte no day trade. É o ato de comprar e vender dentro de um único pregão, geralmente de forma “alavancada”, ou seja, sem precisar ter o dinheiro para entrar no esquema, como vamos ver em detalhes mais adiante.
De acordo com a CVM, mais de 300 mil pessoas fizeram ao menos uma operação desse tipo em 2020 – um crescimento de 50% na comparação com 2019. E este também é o ano em que as buscas por “day trade” dispararam no Google e a “profissão day trader” entrou em uma lista do LinkedIn como uma das grandes carreiras do futuro.
Isso acontece porque muita gente está ganhando dinheiro com day trade. Mas não são os day traders. É gente que lucra com cursos picaretas de como ficar rico da noite para o dia, e as próprias corretoras, que ganham um cascalho a cada operação de compra e venda que você faz.
Hora de entender as entranhas dessa armadilha.
Como a mágica acontece
Curso de day trade virou tutorial de maquiagem: está cheio de youtuber metido a professor. Eles e elas dizem que bastam três coisas para começar: conta em corretora (abra rapidinho no celular), gráficos para acompanhar a variação de preços (tem no home broker) e quase nenhum dinheiro. Uns R$ 20 já são o suficiente para entrar na jogada.
A bolsa serve para você comprar ações de empresas. E isso tende a ser um bom negócio para o longo prazo. A grande ferramenta do day trade, porém, não são ações. São os chamados minicontratos – instrumentos que permitem ganhos de 20%, 30%, 5.000% em questão de minutos, e que, por outro lado, também têm o poder de fazer com que o seu dinheiro desapareça para sempre em questão de segundos.
Funciona assim: você quer ir para a Disney em dezembro. Como Mickey e Pateta não aceitam reais, você vai precisar de dólares. Pessoas comuns, filhas de deus, fazem isso numa visita à casa de câmbio. Mas o mercado financeiro oferece uma outra maneira de fazer a mesma coisa, com uma vantagem. Você sabe quanto vai estar o dólar em dezembro? Não. Nem nós.
Então sempre vai haver alguém (geralmente uma instituição financeira) com dólares na mão a fim de vender hoje para entregar só em dezembro. Que vantagem esse alguém leva? Bom, se o dólar cair daqui até dezembro, ele vai se dar bem. Ele fecha com você de vender os dólares a R$ 5,40. Se em dezembro a moeda do Mickey estiver a R$ 4,80, o sujeito se deu muito, muito bem. Quem vende dólar hoje para entregar depois, então, é sempre alguém que aposta na queda do dólar.
Mas você não está a fim de fazer aposta. Quer garantir a viagem. Se em dezembro o dólar estiver a R$ 6,40, fuén. Rolê miado. Então melhor garantir as verdes a R$ 5,40. O que você pode fazer, então? Dá para entrar na bolsa e comprar a R$ 5,40 do sujeito que está vendendo dólar para dezembro neste momento na esperança de lucrar com uma queda. Pronto. Agora, se a moeda americana subir, não tem mais galho. O dólar pode estar a R$ 6,40 no fim do ano e tudo certo. O outro sujeito vai aceitar que perdeu a aposta,…
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