A tecnologia tem causado uma revolução na área da saúde nos últimos anos. E o sucesso do setor, diz Gustavo Ribeiro, vice-presidente de Relações Institucionais e Contratos Públicos da Havida Notredame Intermédica, está intrinsecamente relacionado ao avanço da saúde digital e de ferramentas de compartilhamento de dados.
Ribeiro será o mediador da mesa “Saúde 2030 – O que esperar?”, no 27º Congresso da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), que terá diversas discussões sobre o tema Saúde 2030 e será realizado nesta quinta (21/9) e sexta-feira (22/9) em São Paulo.
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“A inteligência artificial já vem auxiliando a experiência do paciente desde o agendamento de consultas até o acompanhamento no pós-atendimento, garantindo um cuidado mais centrado no indivíduo, com destaque para soluções que envolvem diagnóstico, otimização operacional com integração de sistemas e interoperabilidade dos dados”, conta.
Diante do desafio da digitalização, ele avalia que um dos pontos sensíveis é uma maior integração dos sistemas de saúde público e privado para que seja viabilizado o prontuário único do cidadão, com informações de saúde inseridas tanto pela rede pública quanto pela rede privada.
Outro ponto de preocupação é em relação à sustentabilidade do setor, que tem registrado um índice médio de sinistralidade próximo a 90% nos últimos 3 anos e que, em certa medida, está relacionado ao aumento de fraudes envolvendo reembolsos.
Além do combate a este tipo de fraude, Ribeiro avalia que, do ponto de vista regulatório, são necessários, com urgência, “debates técnicos profundos, com análises de impactos regulatórios e financeiros, sob risco de comprometermos todo o investimento setorial em gestão, modelos assistenciais com foco na coordenação do cuidado, na promoção de saúde e prevenção de doenças”.
Leia a íntegra da entrevista com Gustavo Ribeiro, vice-presidente da Hapvida.
A pandemia acelerou a digitalização da saúde no mundo todo. Neste ano, com o ChatGPT, nunca se discutiu tanto o uso de IA. O que podemos esperar de mudanças tecnológicas na prestação de serviço de saúde do Brasil em duas frentes: na área médica propriamente dita (diagnóstico, tratamento, atendimento) e de gestão das empresas do setor?
A pandemia da Covid-19 acelerou a digitalização e a adoção de tecnologias na área da saúde, com destaque para a telemedicina. De acordo com estudo da Sinch, 43% dos brasileiros adotaram a telemedicina durante a pandemia de Covid-19, com pico significativo em 2021.
A teleconsulta é uma tendência irreversível, que traz benefícios para profissionais, instituições e pacientes. A inteligência artificial já vem auxiliando a experiência do paciente desde o agendamento de consultas até o acompanhamento no pós-atendimento, garantindo um cuidado mais centrado no indivíduo, com destaque para soluções que envolvem diagnóstico, otimização operacional com integração de sistemas e interoperabilidade dos dados, entre outras.
Uma análise realizada pela Deloitte Center for Health Solutions, publicada em julho de 2023, mostra que, entre vários fatores, dois são fundamentais para o sucesso do setor nos próximos anos: apoiar-se na saúde digital já incorporada pelo usuário, como a telemedicina; e utilizar intensamente ferramentas de compartilhamento de dados, por exemplo, o prontuário eletrônico do cidadão.
Ainda nessa direção, o paper “What does the future hold for the health insurance industry? 19 executives explain”, publicado em agosto de 2023 pelo journal Becker’s Healthcare, ouviu várias lideranças do setor norte-americano de Seguro de Saúde opinando sobre ‘como serão os próximos 10 anos’. Eles explicitaram como o setor depende eminentemente da fusão do bioma saúde com a biosfera digital.
Quais são os principais desafios da digitalização no setor de saúde?
Uma ação urgente é a necessidade de maior integração dos sistemas de saúde público e privado. Afinal, é raro alguém que não precise apresentar todo o seu histórico de saúde ao buscar atendimento em um pronto-socorro, consultório médico ou laboratório diferente daquele ao qual está habituado. Esse cenário ressalta uma das principais discussões na área de saúde: a implantação do prontuário único do cidadão, que inclua as informações de saúde inseridas pela rede pública e privada.
Afinal, se ontem você não tinha um plano de saúde e hoje conseguiu, graças a um novo emprego ou até mesmo por contratação direta, o beneficiário muitas vezes tem que refazer exames e consultas já realizados no sistema público ou na iniciativa privada, porque os sistemas não são integrados.
E o contrário também é verdadeiro quando sai do plano de saúde para o sistema público, por exemplo. Isso gera desconforto e desperdício dentro do sistema de saúde que precisa refazer os processos novamente. E não apenas isso, imagina o quão diferente seria a jornada de um paciente que chega em uma unidade hospitalar em situação de emergência e a equipe médica tivesse acesso ao seu histórico, identificando, por exemplo, a tipagem sanguínea, se o paciente é alérgico ou se possui algum tipo de dispositivo eletrônico implantado. Isso pode salvar vidas.
A tendência é que essas novas tecnologias diminuam o custo de atendimento ou há risco de tornarem os serviços mais caros?
Tecnologias que chegam para trazer maior agilidade, melhorar o desfecho, reduzir desperdícios e eventos desnecessários carregam consigo um potencial enorme de redução e equilíbrio de custos, entregando benefícios para a sociedade, ainda que inicialmente seja necessário realizar investimentos importantes.
A sustentabilidade do setor é tema de muito debate atualmente. Quais são as principais razões das dificuldades financeiras?
A sinistralidade média está acima das marcas históricas. Para se ter ideia, antes da pandemia o índice de sinistralidade (receita menos despesa assistencial) girava em torno de 83% em média – o que já era apertado. Atualmente, o setor vem unindo esforços no sentido de trazer para baixo os elevados índices registrados nos últimos três anos, próximos a 90%.
O setor precisa trazer os índices para algo mais próximo de um ponto de equilíbrio, afinal com sinistralidade acima de 90% sobra menos de 10% para o pagamento de todos os impostos, taxas regulatórias e custos administrativos e de comercialização. A conta não fecha.
Uma grande preocupação intimamente relacionada com a situação financeira dos planos e que cresceu muito nos últimos anos são as fraudes, em especial fraudes em reembolso mediante a disponibilização do login e senha de acesso aos dados do próprio plano de saúde para o prestador de serviços pretensamente “ajudá-lo” na liberação de procedimentos e processos burocráticos.
Entre 2019 e 2022, o custo do reembolso na saúde suplementar saiu de R$ 6 bilhões para R$ 11,4 bilhões, um crescimento de 90% em três anos. Estima-se que no período, R$ 7,2 bilhões são fraude.
Esses comportamentos afetam diretamente a situação financeira dos planos de saúde, dividindo os custos da fraude com todos os contraentes e beneficiários, gerando ônus para todo o sistema de saúde suplementar.
Quais são os principais desafios legais e regulatórios para enfrentar a questão da sustentabilidade?
Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), agora em 2023, 311 operadoras de planos médico-hospitalares registraram resultado operacional negativo, ou seja, as receitas não foram suficientes para cobrir as despesas assistenciais.
Como mudar essa realidade? Destaco alguns meios: combater as fraudes contra os planos de saúde que, como disse, minam bilhões de reais do sistema de saúde por ano, rediscutir critérios de incorporação e de acesso a determinadas tecnologias de saúde, principalmente as múltiplas terapias de uso contínuo (TEA e TGD), que precisam de protocolos mais claros e objetivos com foco em qualidade e cuidado das crianças, e as terapias avançadas de altíssimo custo.
Precisamos com urgência de debates técnicos profundos, com análises de impactos regulatórios e financeiros, sob risco de comprometermos todo o investimento setorial em gestão, modelos assistenciais com foco na coordenação do cuidado, na promoção de saúde e prevenção de doenças.
Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha a pedido da Abramge, 94% dos entrevistados que não possuíam plano de saúde disseram que se pudessem pagariam por um.
Em relação à reforma tributária, ainda não está definida a alíquota para os planos e há algumas outras questões em aberto. Dentro da perspectiva da sustentabilidade do setor, quais são suas maiores preocupações?
Uma boa reforma tributária é o desejo não só de nossos governos e empresas, mas também de toda a nossa sociedade. Precisamos urgentemente reduzir a quantidade de tributos diferentes, a cumulatividade com imposto incidindo sobre imposto e eliminar a insegurança jurídica.
Além disso, precisamos sentar e definir as nossas prioridades – e aqui compartilho um pouco da minha visão sobre o setor de saúde. Será que é justo e correto que uma cirurgia…
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