Desde abril os títulos atrelados à inflação e disponíveis no Tesouro Direto não pagavam taxas reais de 6% ao ano – até a última quarta-feira (27).
Naquele dia, o Tesouro IPCA+ com vencimento em 2055 voltou a oferecer uma remuneração tão alta quanto a que tinha quando ainda não havia definições claras sobre o arcabouço fiscal a ser adotado pelo governo Lula, nem o ciclo de queda da Selic tinha começado – em abril, a taxa básica de juros ainda era de 13,75% ao ano (hoje está em 12,75%).
Com tudo mais constante, o que “pegou” no mercado foram as preocupações em torno do orçamento dos Estados Unidos, que se intensificaram diante da possibilidade de o governo americano ser obrigado a congelar os gastos públicos se o Congresso não votar um projeto de financiamento temporário até sábado (30).
Mas, por que um evento externo, que não envolve diretamente as contas públicas nacionais, pesou tanto sobre os ativos financeiros aqui no Brasil?
A resposta está nos juros americanos. O temor com o alto endividamento do governo para financiar o déficit público foi só mais um ingrediente de estresse que se somou à mensagem da semana passada do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) de que manterá as taxas elevadas por mais tempo e ao rebaixamento da nota de crédito do país ainda em agosto.
Para economistas como Caio Megale, da XP, o nível dos juros americanos e o ritmo que o Fed imprimirá nas suas ações de política monetária são uma preocupação em particular para o andar da carruagem da taxa Selic no Brasil.
Nesta sexta-feira (29), os rendimentos do título do Tesouro dos EUA de 1o anos, foram a 4,56%, os mais altos desde 2007, e o dólar apagou as perdas depois de o presidente do Fed de Nova Iorque, John Williams, afirmar que os juros devem ficar elevados para fazer a inflação convergir para a meta de 2% ao ano.
“Até a crise financeira de 2008, tínhamos juros [no exterior] na casa dos 4% aos 5,5% ao ano. Isso caiu para para 2% em 2008, no caso dos títulos de 10 anos, e lá ficou”, explicou Megale durante o evento “A Perspectiva da Economia Brasileira”, realizado nesta quinta-feira (28) pelo InfoMoney.
A cena mudou a partir da pandemia de coronavírus, período em que os Estados Unidos ampliaram largamente os gastos – seu déficit público passou de 3% para quase 10% do PIB – liberando uma série de estímulos à economia.
Depois de 15 anos com o mundo acostumado a juros baixos e alta liquidez, talvez a gente tenha de se acostumar de volta àquelas taxas anteriores. Isso tem impacto, certamente, na capacidade do Banco Central de cortar as taxas aqui e na precificação de todos os ativos
Caio Megale, economista-chefe da XP
Mal comparando, se a Selic é a taxa que baliza todas as outras – dos empréstimos aos investimentos – aqui dentro do Brasil, as taxas americanas são uma espécie de “juros básicos da economia mundial”. São consideradas a taxa internacional livre de risco, já que a economia globalizada tem a moeda americana como referência – e os EUA são os únicos capazes de imprimir mais dólares para fazer frente à sua dívida.
Se o Fed decide manter juros mais altos por mais tempo, isso pode “segurar” o ímpeto do Banco Central de fazer cortes maiores na Selic – o que provocou uma virada nas expectativas dos agentes financeiros quanto às taxas locais nas últimas semanas, refletida na remuneração dos títulos do Tesouro Direto.
Mas não apenas: Megale lembra que a taxa Selic serve de parâmetro para, por exemplo, descontar os fluxos de caixa futuros das empresas, processo utilizado para calcular o valor justo das suas ações no presente.
Até quando vai a crise?
A expectativa de Megale é de que o assunto dos juros americanos continue “pipocando” pelo menos até o fim do ano que vem. Os EUA poderiam resolver a questão do endividamento com um ajuste fiscal, aumentando impostos e cortando gastos. “Mas estamos indo para um ano eleitoral, polarizado, latino-americanizado, e vai ser difícil discutir ajuste fiscal [nesse contexto]”.
O…
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