A seca histórica na Amazônia, além de encarecer produtos que vêm de fora para algumas das áreas mais remotas do país, ameaça a logística da Zona Franca de Manaus, com destaque para o escoamento da produção de eletrodomésticos, poucas semanas antes da Black Friday, tradicional data de promoções do varejo.
Segundo a Eletros, entidade que reúne os fabricantes de eletrodomésticos, “100% da produção nacional de ar-condicionado, televisores, lavadoras de louça e microondas” vêm da Zona Franca. E algumas empresas relatam reajustes de até 50% no frete.
Operadores logísticos têm orientado seus clientes na região a anteciparem a produção para garantirem o embarque das mercadorias, já que a região depende do transporte fluvial para escoar suas mercadorias e a previsão é de que o nível dos rios no entorno de Manaus fique em situação ainda mais crítica nos próximos meses.
Segundo o Cieam, entidade que representa a indústria do Amazonas, menos de 1% da produção do polo industrial deixa o coração da Floresta Amazônica via área, ou seja, o escoamento passa pelos rios, seja via cabotagem, seja via o “rô-rô caboclo”.
A cabotagem é o transporte marítimo na costa de um mesmo país, enquanto o “rô-rô caboclo” é como se chama na Amazônia o transporte de caminhões em balsas, nas quais os veículos embarcam para vencer um trecho em áreas onde não há estradas, em meio a um trajeto por rodovias.
O nome vem do inglês roll-on/roll-off, como é chamado esse sistema de transporte rodoviário combinado com o hidroviário. Segundo o Cieam, é muito usado entre Manaus (AM) e Belém (PA), cidades separadas por 1,3 mil quilômetros via aérea. Na porção oriental da Amazônia, a capital paraense tem conexão rodoviária com o Centro-Sul do país, enquanto a conexão da capital amazonense passa por Porto Velho (RO), na porção ocidental.
Todos os anos, o período de seca na Amazônia, entre maio e setembro, considerado o verão da região, atrapalha a logística de mercadorias na região. Sazonalmente, as águas baixam de nível na seca, obrigando as embarcações a navegarem mais leves, ou seja, com menos carga, encarecendo o frete. O problema é que, este ano, a seca está mais severa.
Tanto que a Maersk, gigante global do transporte marítimo que, no Brasil, opera cabotagem com a subsidiária Aliança, tem recomendado a seus clientes na região antecipar os embarques para o restante do país, com vistas à demanda da Black Friday, no fim de novembro.
– Estamos avisando aos clientes: se você tem carga urgente, se você tem coisa para a Black Friday, antecipa a sua produção, porque vamos ter problema em Manaus – disse Karin Schönner, presidente para a Costa Leste da América do Sul da Maersk.
Segundo a executiva, muitos já fizeram esse transporte antecipado. Para Karin, os níveis dos rios na Amazônia no período seco atual são mais um sinal dos extremos provocados pelas mudanças climáticas, que atingem o mundo todo. Neste momento, os transportadores marítimas enfrentam problemas no Canal do Panamá, cujas águas também estão em nível mais baixo.
– No Canal do Panamá, também estamos vendo planos de contingência. Por exemplo, começamos a usar ferrovia – afirmou Karin, lembrando que a situação ainda poderá piorar na Amazônia. – Vai dar B.O. (no escoamento da produção da Zona Franca), pelo que estamos vendo, porque medimos o calado dos canais nos navios.
Por enquanto, conforme o Cieam, o escoamento da Zona Franca está garantido e os preços de frete estão apenas “ligeiramente” acima do normal para os períodos de seca. Já a Eletros traça um cenário mais preocupante, com empresas “surpreendidas”, pois os fretes subiram de 40% a 50% na estiagem atual.
“Neste momento as operações funcionam normalmente, já que as empresas identificaram há alguns meses a possibilidade de uma seca mais rigorosa e fizeram um estoque ainda maior de insumos. Contudo, caso os rios continuem baixando seus volumes de água na média diária atual de cerca de 30 centímetros, por dia, em algumas semanas teremos o risco maior de limitação de navegação e ajustes nos cronogramas de logística de transporte deveriam ser realizados”, informou a Eletros, por escrito.
Se a situação piorar, eletrodomésticos, como lava-louças e micro-ondas, e eletrônicos, como celulares e partes de computadores, poderão ser os mais afetados. Por causa da Zona Franca de Manaus, o Amazonas responde por cerca de 3% de toda a produção industrial do país, segundo o IBGE, mas a importância do polo é maior para esses segmentos.
A Abinee, associação dos fabricantes de eletrônicos, informou que em torno de 30% da produção desses segmentos vêm de lá.
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