Em um movimento muito aguardado pela comunidade antitruste americana e internacional, o órgão antitruste americano Federal Trade Commission (FTC) e o Departamento de Justiça (DoJ) lançaram, no último dia 19 de julho, a proposta de um novo guia [1] de análise de casos de fusões entre empresas.
Guias como esse são importantes pois auxiliam a comunidade (formuladores de políticas, empresários e profissionais) a entender os fatores e as estruturas que as agências consideram ao investigar fusões, trazendo agilidade, previsibilidade e segurança jurídica no tratamento do fluxo dos casos.
Tipicamente, os guias valem-se de um conjunto de teorias econômicas bem estabelecidas que informam as condições em que certas estratégias aumentam artificialmente o poder de mercado de empresas, sem oferecer benefícios aos consumidores em contrapartida. Nessa linha, a preocupação é se a fusão pode diminuir substancialmente a concorrência, tendendo a criar um monopólio e/ou uma estrutura de mercado que exclua a concorrência.
Com efeito, o FTC revogou em 2021 o seu guia de análise de fusões verticais, lançado no ano anterior, por acreditar, de forma geral, que os procedimentos de análise adotados não refletiriam os últimos desenvolvimentos teóricos sobre o tema. Na versão atual, o FTC e o DoJ argumentam que as orientações refletem a experiência adquirida pelas agências em anos de análises de casos em uma economia em constante mudança [2].
A partir de 13 diretrizes gerais, a proposta do guia americano atualiza o guia de análise de fusões horizontais de 2010 e o guia de análise de fusões verticais de 2020. Ela não surpreendeu em relação às suas inovações [3], ainda que tenha dado destaque às preocupações recentes relacionadas a fusões envolvendo plataformas digitais, quando fazem parte de uma série de múltiplas aquisições e em situações abrangendo participação parcial ou minoritária. É possível, todavia, que sua versão final — ou após a consulta pública — seja mais ou menos conservadora, a depender dos rumos das discussões nos Estados Unidos. Dos vários pontos inovadores, destacamos sete.
O primeiro ponto está relacionado à definição de mercado relevante. A proposta atualiza o conceito conhecido no antitruste como “teste do monopolista hipotético (TMH)”, que avalia as possibilidades de substituição para produtos concorrentes, na visão do consumidor, quando há um aumento pequeno, mas significativo de preço. No Guia atual, acrescenta-se a necessidade de levar em conta outros parâmetros além do preço [4], tais como alterações em qualidade, serviço, investimento em capacidade produtiva, diversidade de escolha de produtos ou de suas características e esforço inovador no mercado.
Nesse sentido, o TMH considera se o monopsonista hipotético empreenderia pelo menos uma alteração na estrutura do mercado no cenário pós fusão, como por exemplo uma queda no preço ofertado, uma piora nos termos de troca oferecidos aos fornecedores, uma diminuição no salário oferecido aos trabalhadores ou uma piora em sua situação laboral [5].
O segundo ponto diz respeito à revisão da presunção de prejuízo à concorrência para fusões horizontais entre empresas em mercados com elevado nível de concentração e alteração significativa no nível de concentração. Neste item, temos o retorno do uso de limites de participação de mercado com o patamar de 30%, além da atualização mais conservadora do nível do índice de concentração considerado problemático (redução do HHI de 2500 para 1800 e da variação do HHI de 200 para 100).
A tabela abaixo reproduz os novos parâmetros propostos na Diretriz 1 do guia americano para fusões horizontais. São adotados dois filtros a partir dos quais a operação poderia ensejar presunções de preocupações concorrenciais: o Índice de concentração Hirshman-Herfindal [6] (HHI, do acrônimo em inglês) e a parcela de mercado da empresa fusionada [7].
Indicador |
Limites para presunção de dano estrutural para fusões horizontais |
Índice de concentração Hirshman Herfindal (HHI) após a fusão |
Mercado com HHI acima de 1800 E Variação no índice de concentração acima de 100 |
Parcela de mercado da empresa fusionada |
Parcela de mercado acima de 30% E Variação no índice de concentração acima de 100 |
Fonte: FTC (2023) [8].
Na mesma linha, o terceiro trata do uso de níveis de concentração em casos de fusões verticais,…
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