O mercado financeiro se envolveu em batalhas contra o Banco Central sobre o futuro das taxas de juros no Brasil e no exterior, mas foi forçado a se render em ambas. A visão é de Reinaldo Le Grazie, ex-diretor do BC e sócio da Panamby Capital.
Por aqui, os investidores tentaram antecipar um ciclo de queda mais agressivo da taxa básica de juros (Selic) do que as sinalizações do Comitê de Política Monetária (Copom).
No melhor momento, parte do mercado chegou a apostar em uma Selic abaixo de 9% no ano que vem. Mas as taxas passaram por um forte ajuste nas últimas semanas e agora a expectativa dos investidores é que os juros fiquem acima de 10% no fim do atual ciclo.
“Para mim o cenário é esse, o mercado agora está indo para o lugar certo”, me disse Le Grazie, em uma entrevista no escritório da Panamby.
A “rendição” das tropas locais aconteceu em meio à tentativa frustrada dos investidores no exterior de “peitar” o Federal Reserve — o BC norte-americano.
O mercado foi obrigado a “capitular” — nas palavras de Le Grazie — depois de o presidente do Fed, Jerome Powell, deixar claro que pretende manter os juros altos na maior economia do planeta pelo tempo que for preciso para trazer a inflação de volta para a meta.
Como consequência, as taxas dos títulos do Tesouro dos EUA (Treasurys) — que até então projetavam um Fed mais “bonzinho” — dispararam para se ajustar ao discurso mais duro.
Enquanto isso, aqui no Brasil o risco maior hoje é o de o BC reduzir o ritmo de redução da Selic antes do esperado, segundo o sócio da Panamby.
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Acabou a paz
Antes da reviravolta no cenário externo, Le Grazie esperava que a economia brasileira experimentasse um período de tranquilidade. “Imaginei naquele ponto que o país teria um ano para dar certo.”
O relativo otimismo vinha da aprovação do novo arcabouço fiscal e dos dados positivos da atividade econômica. Além disso, o governo acertou o discurso ambiental, algo positivo para atrair o capital internacional.
Tudo isso, combinado ao fato de que a bolsa e os ativos brasileiros ficaram para trás no rali dos mercados no início do ano, pintava um quadro bastante favorável para o país, pelo menos no curto e médio prazo.
O problema é que o próprio governo ajudou a tumultuar o ambiente quando recolocou na pauta a possibilidade de tirar a meta de déficit fiscal zero para o ano que vem.
A discussão ficou ainda mais complexa depois que o governo pediu autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para mudar a forma como contabiliza as despesas com precatórios.
“Eu gostaria de ver mais determinação do governo na gestão das contas públicas. Sem discutir se foi certo ou errado, nós já gastamos muito dinheiro. Agora é hora de ser mais produtivo”, disse Le Grazie.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista de Reinaldo Le Grazie para o Seu Dinheiro:
“A inflação lá fora está muito resiliente. Nos Estados Unidos, a renda não cresce, mas o consumo continua subindo. A atividade como um todo está forte e a inflação até caiu, mas ainda não chegou onde devia, e agora para atingir a meta [de 2% do Federal Reserve] vai ser bem mais duro.
Então acho que o Fed pode aumentar os juros em mais 25 ou 50 pontos-base. Seja como for, a política monetária agora está mais adequada. De qualquer maneira, é uma taxa de juros alta para uma inflação que não desacelera.
Por isso, o maior risco é o de o Fed continuar subindo os juros até derrubar a atividade de uma vez. Esse não é o meu cenário-base, mas é possível e tem muita gente que está considerando isso. Até porque essa alta recente do petróleo só está batendo nos índices a partir de agora.
Na Europa, a inflação demorou mais para cair porque a política monetária foi mais inadequada. Eles demoraram para combater a inflação e agora vão ter que fazer isso com a atividade mais fraca.
Enquanto isso, a China vem tentando incentivar o consumo com mais medidas de estímulo, mas que até agora não surtiram efeitos…
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