MARRAKESH – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirma que o potencial de danos do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas é “enorme” e que o mundo está preocupado, mas ainda não é possível mensurar a extensão dos efeitos. O Brasil poderia ser afetado “fortemente” se não tivesse uma agenda econômica como a que o governo está tocando, diz.
Em relação à economia brasileira, ele se diz otimista e afirma que o horizonte é outro. O ministro brasileiro vê a velocidade de cortes da Selic mantida em 0,5 ponto porcentual pelo menos por um tempo, ainda que pese um agravamento do cenário internacional com o conflito no Oriente Médio.
“A velocidade de cortes (nos juros) vai se manter pelo menos por algum tempo porque há espaço para se manter. O nosso juro real ainda está muito elevado”, diz Haddad, em entrevista ao Estadão/Broadcast, em Marrakesh, no Marrocos, onde participa de reuniões do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.
A avaliação do ministro vem na esteira da sinalização do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, que, sem mexer no cenário-base, indicou em encontro com investidores que as chances de desacelerar as reduções de juros são maiores do que as de acelerar.
Segundo o ministro, haverá um espaço ainda maior para os juros caírem se o Congresso aprovar o pacote de medidas que pode ajudar o governo a preencher o rombo de R$ 168 bilhões no orçamento do próximo ano.
Dentre elas, Haddad vê a proposta sobre tributação sobre os fundos offshore “maduros” para serem votados na próxima semana. Já a medida sobre juros de capital próprio (JCP) está “quase madura”, diz.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Ministro, foi a estreia do senhor nesses encontros em meio ao que o senhor chamou de ‘policrise’, cenário que foi obscurecido com o conflito no Oriente Médio. Como esses desafios foram enfrentados nas reuniões?
A repercussão da guerra na Ucrânia na economia global já está suficientemente quantificada pelo tempo decorrido e porque os impactos já são mensuráveis. No caso do conflito recente, Palestina-Israel, obviamente que isso tudo ainda não está diagnosticado. Sabe-se que o potencial de causar danos é enorme, mas ainda não é possível saber a extensão pelo tempo decorrido. Mas a preocupação existe. Tem havido um esforço enorme da diplomacia para ver se contém isso em busca de uma solução. Mas qualquer que seja o cenário, vai ter algum impacto. O que, de certa maneira, nos discursos oficiais se contrapõe, do ponto de vista de tendência, é que tanto a Europa como os Estados Unidos acreditam que, indicativamente, mesmo sem novos aumentos de taxa de juros, a inflação vai convergir para a meta em dois anos.
Mas os juros nos países desenvolvidos não caem…
Ninguém sinalizou quando que os juros começariam a cair, o que é um dado muito importante. Faz muita diferença que os juros nas economias centrais comecem a cair no meio do ano que vem ou no meio do ano seguinte, a diferença é brutal. Por que é brutal? Por causa das dívidas. As dívidas em moeda forte de países em desenvolvimento, subdesenvolvidos, é muito grande. E essa é a preocupação da maioria dos analistas. Se perdurar uma taxa de juros elevada, os países de renda média altamente endividados podem entrar numa situação muito delicada, com impactos na economia global.
Esse cenário de juros elevados e tensões geopolíticas certamente devem afetar o Brasil. O próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mesmo sem alterar o cenário-base, sinalizou que as chances de desacelerar o corte da Selic são maiores do que as de acelerar. O senhor já conversou com ele? O ministério da Fazenda tecnicamente admite isso?
Nós endereçamos uma série de medidas para o Congresso Nacional, visando resolver distorções graves do nosso sistema tributário para que o arcabouço fiscal ganhe tração no primeiro ano. O desenho do arcabouço fiscal já é suficientemente robusto para afastar qualquer risco de trajetória da dívida. Contudo, nós entendemos que, se nós acelerarmos o passo do ajuste, no contexto global atual, isso vai servir de blindagem para a economia brasileira, que tem um potencial enorme de crescimento pelas vantagens competitivas geopolíticas e ambientais. Nossa transição ecológica pode ser promotora de desenvolvimento como nenhum…
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