No último final de semana, Brasil e China completaram a primeira operação comercial realizada apenas com as moedas locais dos dois países — yuan e real.
A transação envolvendo uma empresa de celulose brasileira foi concretizada após a assinatura de um memorando de entendimento entre Brasília e Pequim durante a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao gigante asiático em abril deste ano.
O presidente brasileiro vem pedindo que o Sul Global seja menos dependente do dólar.
Do yuan chinês à bitcoin, as discussões sobre alternativas à moeda tem se estendido por mais de um ano.
Alimentado pelos receios de que os Estados Unidos possam estar usando o dólar como uma arma em um sistema financeiro global dominado pela moeda, o debate se tornou tão atual que foi um dos principais temas avaliados pelos integrantes dos Brics durante a 15ª cúpula do bloco em agosto.
No encontro, as lideranças de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul discutiram a criação de uma moeda comum para facilitar as transações entre os membros do grupo — a decisão ainda não foi implementada oficialmente, mas segundo Lula a área econômica de cada país fará estudos para que propostas sejam apresentadas na próxima reunião da cúpula, em 2024.
“Quem decidiu que era o dólar a moeda depois que desapareceu o ouro como padrão? Por que não foi iene? Por que não foi o real? Por que não foi peso? Porque as nossas moedas eram fracas, porque hoje um país precisa correr atrás do dólar para poder exportar, quando ele poderia exportar sua própria moeda e os bancos centrais certamente poderiam cuidar disso”, afirmou o presidente brasileiro em sua passagem por Pequim.
Em que se baseiam as acusações?
No plano de fundo do debate estão as constantes acusações por parte de adversários políticos e econômicos dos EUA, como Rússia e China, e até de analistas e especialistas do mercado financeiro, de que Washington tem se aproveitado da dominância do dólar para agir em seu próprio benefício em questões geopolíticas.
A guerra na Ucrânia tornou as denúncias mais intensas. As sanções implementadas contra a Rússia pelos EUA e seus aliados se beneficiaram da onipresença do dólar americano para penalizar Moscou.
Desde a aplicação das medidas, os principais bancos russos foram excluídos do Swift, a principal rede de pagamentos globais, que conecta 11 mil instituições financeiras em mais de 200 países.
Além disso, o país teve suas reservas internacionais congeladas e, logo no início do conflito, os EUA impediram o Banco Central da Rússia de realizar transações em dólar, além de terem bloqueado totalmente o fundo de investimento direto russo.
“Em outras palavras, o sistema baseado no dólar simplesmente não está mais disponível para os indivíduos, empresas ou regime sancionado”, explica Zongyuan Zoe Liu, pesquisadora do think tank americano Council on Foreign Relations (CFR).
“Isso vai desde o nível mais básico, com a proibição de acesso a uma conta bancária ou um cartão de crédito, até o que chamamos de sanções secundárias, quando nenhuma outra entidade pode facilitar transações para essa entidade ou regime sancionado de forma legal, sob risco de ser penalizada também.”
Segundo Liu, o debate sobre o uso de moedas alternativas é motivado em parte pelo desejo de mitigar os riscos e perdas em caso de sanções americanas.
Isso é verdade especialmente para países que já foram penalizados no passado ou que correm o risco de enfrentarem sanções no futuro.
E a lista de sanções aplicadas pelos EUA nos últimos anos não é curta. Inclui governos estrangeiros identificados por Washington como apoiadores do terrorismo, responsáveis pela proliferação de armas nucleares ou acusados de violações de direitos humanos e corrupção, como Irã, Cuba, Coreia do Norte, Síria, Belarus, Burundi, República Centro-Africana, Congo, Líbia, Nicarágua, Somália, Sudão do Sul, Venezuela, Iêmen e Zimbábue.
Também foram alvos entidades ou indivíduos que não cumpriram normas do Conselho de Segurança da ONU e indivíduos e organizações ligadas a Vladimir Putin, entre eles Andrey Menichenko, o homem mais rico da Rússia.
Por tudo isso, o dólar tem sido tratado constantemente em encontros entre autoridades russas e chinesas. A China…
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