Com a intenção de reduzir as pilhas de processos que tramitam nos tribunais, o Novo Código de Processo Civil, publicado em 2015, fomentou o uso de métodos alternativos para resolução de conflitos, como as audiências de mediação e conciliação.
Alguns anos antes, a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça fora publicada com o mesmo objetivo. Esses textos, todavia, abriram espaço para que misticismos — em especial a chamada Constelação Familiar — norteassem decisões judiciais no Direito de Família e contaminassem as tratativas para resoluções de conflitos.
A prática, também chamada de “Constelação Sistêmica Familiar”, se autodenomina uma espécie de terapia — mesmo sem aval dos conselhos de psicologia — e usa subjetividades espirituais e metafísicas para supostamente encontrar a razão e solução dos conflitos. Suas bases foram delineadas nos anos 1980 pelo autointitulado “terapeuta” alemão Bert Hellinger, cujo nome tem relações vultosas com o nazismo (ele chegou a combater pelo Eixo na Segunda Guerra).
Seu uso já consta nos processos de Família no Brasil há mais de uma década, mas voltou aos holofotes após críticas enviadas por pesquisadores ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania no final de agosto (leia o documento no final desta reportagem).
As críticas à prática chegaram ao apogeu em março, quando o Conselho Federal de Psicologia emitiu nota técnica afirmando que o uso dessa “terapia” era incompatível com o exercício da profissão de psicólogo. A teoria da Constelação, diz a nota, reforça estigmas e preconceitos contra mulheres e homossexuais, já que parte do pressuposto de que regras “naturais” definem as questões familiares.
No caso das mulheres, por exemplo, há uma perspectiva dentro dessa teoria de que elas são hierarquicamente inferiores aos homens; o mesmo ocorre entre pais e filhos.
Nas constelações, um “constelador” atende o “constelado” por meio de uma dramatização (por vezes com atores, mas também com bonecos e outros objetos) a fim de simular sua estrutura familiar e, dessa forma, apontar os problemas e soluções de determinado litígio, incluindo os que envolvem violência doméstica ou contra crianças e adolescentes. Não há qualquer comprovação científica de sua eficácia e, na prática, a Constelação Familiar é um tipo de religião.
Seu próprio nome é objeto de certa disputa. O precursor da Constelação Familiar no Direito brasileiro, o juiz Sami Storch, do Tribunal de Justiça da Bahia, registrou a patente do termo “Direito Sistêmico” no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) em 2017 e detém a marca até 2027. Nas seções estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil, pulularam comissões de “Direito Sistêmico”, ainda que esse não seja efetivamente um campo de estudos jurídicos e verse única e exclusivamente sobre o uso da Constelação.
Por outro lado, o Conselho Federal de Psicologia cita que uma confusão foi criada em torno do termo “Sistêmico”, posto que há terapias válidas que utilizam essa expressão, como a Terapia Familiar Sistêmica, que é pautada pela singularidade de cada família. A prática da Constelação é diametralmente oposta: todas as famílias obedecem às mesmas leis e regras ditadas pela “teoria”.
Neste contexto, seminários, palestras e cursos, alguns bancados pela própria OAB, se intensificaram e delinearam um mercado de “Direito Sistêmico” no Brasil. É um mercado proeminente e único, posto que o uso da Constelação no Judiciário, em termos quantitativos, é uma idiossincrasia do país, e sua prática não é regulada nem fiscalizada.
Para os advogados e especialistas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, não só há uma série de problemas de ordem social a partir do uso da Constelação no Direito Familiar, como a prática também contamina o instituto da mediação, de suma importância para a celeridade processual. A “teoria” ainda coloca a figura da mulher como inferior ao homem (lei da hierarquia), o que reforça sua vulnerabilidade como parte nos processos de Família e viola princípios básicos do Direito, como o da isonomia.
“A teoria também tem passagens que naturalizam a violência sexual sofrida pelas meninas dentro da família, e também naturaliza a responsabilização da mulher e a isenção dos homens em caso de violência…
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