As águas marinhas nunca estiveram tanto no centro das discussões econômicas quanto agora. O funcionamento de empresas e demais conglomerados ligados direta ou indiretamente à economia do mar deve passar pela preservação da vida marinha, aliada ao desenvolvimento social e governamental.
Na terceira reportagem da série “Economia do Mar”, do Diário do Nordeste, que mostra como as praias atraem negócios e geram renda para o Estado, o foco está no desenvolvimento das práticas ESG pelas grandes companhias instaladas em solo cearense.
Para relacionar corretamente o ESG com a economia do mar, é preciso entender, antes, o significado da sigla, que em 2024 completa 20 anos desde que foi cunhada pelo Pacto Global, um dos organismos que compõem a Organização das Nações Unidas (ONU).
ESG, em tradução direta, quer dizer Ambiental (Environmental), Social e Governança (Governance). No Brasil, o termo ASG também é aceito para se referir à sigla, mantendo o mesmo significado.
Trata-se de um conjunto de práticas que as empresas adotam e que estão ainda mais alinhados com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da ONU, que devem ser cumpridos até 2030.
Os três pilares do ESG visam que as organizações continuem crescendo com um olhar que inclua aumento da rentabilidade com três tipos de ações:
- Ambiental: práticas voltadas ao meio ambiente, como redução da poluição, uso de fontes renováveis de energia, tratamento de água e esgoto, gestão de resíduos e biodiversidade;
- Social: responsabilidade e impacto junto a comunidades. Isso inclui práticas de promoção de igualdade e equidade nas empresas, ações sociais que contemplem o entorno de onde as organizações estão instaladas, por exemplo;
- Governança: políticas e processos de transparência das empresas. Leva-se em consideração as práticas contra corrupção, canais de denúncia sobre assédio e discriminação nas mais diversas esferas e seguridade de direitos de consumidores.
No caso de grandes empresas, o ESG comumente integra um departamento exclusivo. A partir dele, as ações dos executivos devem ser integradas e pensadas com foco nos três pilares da sigla.
OS VENTOS E O SOL NO CAMINHO DO ESG
Das empresas instaladas em solo cearense, a Qair Brasil — subsidiária nacional do Grupo Qair — conta com peculiaridades no que diz respeito à sigla. Atuando no Estado desde 2018, a companhia tem um parque híbrido de geração de energia renovável no Trairi.
De acordo com a empresa, o Complexo Eólico de Serrote tem 78 aerogeradores em operação com capacidade de 327 MW e uma integração para a produção de energia solar-fotovoltaica com capacidade de 101 MW, chamada de Serra do Mato.
A atuação no campo da produção de energia limpa traz com a empresa a prática do ESG. Segundo o diretor de operações da Qair Brasil, Gustavo Silva, os pilares da sigla estão intrinsecamente ligados à fundação da companhia em solo cearense.
Os valores estão muito ligados a natureza da empresa. Quando a empresa surgiu, (o ESG) já veio junto. Logicamente que quando a gente fala de ESG, temos uma relação bem mais íntima também com o aspecto da sustentabilidade, mas a sustentabilidade empresarial. Uma vez que aspectos ligados ao social, ao meio ambiente e à governança estão cada vez mais presentes de forma garantir a sustentabilidade das empresas e a perpetuação de suas operações.Gustavo Silva
Diretor de Operações da Qair Brasil
O gestor do braço nacional da Qair conta ainda como funciona o setor de ESG no Estado, dividido em duas áreas principais: a parte ambiental e de governança, e o Instituto Qair, voltado para as ações sociais com embaixadores e com comunidades no entorno dos parques híbridos.
“Toda a parte ligada à sustentabilidade ambiental opera dentro do nosso setor socioambiental, que também conduz todas o licenciamento ambiental de todos os projetos da Qair, temos também o Instituto Qair, que foi um canal que criamos para concentrar todas as nossas ações sociais, e também temos o lado de governança, que embora seja conduzido no setor socioambiental, onde a gente tem uma profissional específica para tratar dessa temática na empresa, a execução dessas atividades ocorre no setor de recursos humanos e no setor de qualidade”, explica Gustavo.
Para além do parque híbrido no Trairi, a Qair está com três novos projetos em desenvolvimento. Um novo parque solar em Icó, na região Sul do Estado, deve ficar pronto até 2025, além da plantas de hidrogênio verde (H₂V) no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp) e do parque eólico offshore no futuro Complexo Eólico Marítimo de Dragão do Mar, em Acaraú, ainda pendente de regulamentação por meio de lei. O investimento total ultrapassa os R$ 105 bilhões.
Toda a atenção para a energia limpa incrementa o fluxo de empregabilidade da companhia. O corpo próprio que atua na sede da empresa no País, em Fortaleza, soma 130 funcionários, número que aumenta conforme a demanda dos demais parques em construção tanto no Ceará quanto em outros estados do Brasil.
“Aquilo que a gente enxerga como o futuro das organizações é que aquelas que não aderirem à agenda provavelmente terão muita dificuldade no futuro para se perpetuar. Hoje observamos uma atenção maior dos bancos que financiam os projetos, com linhas específicas para as empresas preocupadas com a sustentabilidade. A gente vê principalmente no pós-pandemia que as sociedades também criaram uma melhor aderência para empresas comprometidas com a agenda”, defende.
Ele completa destacando o compromisso da Qair sobretudo com as pessoas que vivem próximas onde a empresa atua: “Compromisso principalmente nas comunidades de impacto direto de nossas plantas, no desenvolvimento humano, das nossas pessoas, da comunidade Qair. Isso, além de tornar um ambiente muito mais alinhado com os valores que a empresa quer pregar, torna também a vida da Qair um caminho bem mais pavimentado”, salienta Gustavo Silva.
O MAR SOCIAL
Atualmente, nos projetos sociais e de governança, a Qair tem Carlos Mário Bebê, cearense tetracampeão mundial de kitesurfe na categoria freestyle, o principal embaixador da empresa. Atuando juntos desde 2021, o kitesurfista e a companhia buscam formar, através da fundação que leva o nome do esportista, atletas de alta performance.
Uma parceria firmada recentemente entre a Qair Brasil e o Hub Cumbuco, do movimento Winds For Future, tem o objetivo de levar os preceitos da cultura oceânica, até 2024, para 50 mil alunos de Caucaia e demais cidades da Região Metropolitana da capital.
Gustavo Silva destaca ainda um dos principais cases de sucesso dos projetos sociais da companhia: o Olê Rendeiras, em parceria com a marca cearense Catarina Mina. Com peças de vestuário e acessórios, todos feitos à mão por rendeiras de bilro de Trairi, o projeto foi iniciado em 2020 e já ganhou as principais passarelas de festivais de moda ao redor do mundo.
Em mais de três anos de existência, o Olê Rendeiras já impactou positivamente a vida de mais de 230 rendeiras, e as peças permanecem em destaque na moda internacional. Para 2024, o diretor de operações da Qair quer continuar utilizando o projeto como exemplo para ampliar o impacto social.
“Temos para 2024 planejado avançar na cultura oceânica. Sempre gosto de dizer que nosso instituto é um liquidificador, porque a gente pega vários projetos e sai misturando tudo. Esse projeto específico da cultura oceânica vai acabar sendo permeado em outros projetos que a gente vem desenvolvendo. A criação inclusive de novos berços no mar, para aumentar a profissionalização da pesca artesanal para aumentar eficiência. (…) Projetos por exemplo como Olê Rendeiras, case de sucesso da Qair, onde a gente permitiu o desenvolvimento de uma cultura que vinha perdendo muito valor do ponto de vista artesanal, a gente colocar em uma posição de poder fazer, de ter um produto de qualidade”, planeja Gustavo.
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O SABÃO QUE VEM DA FRITURA
Não são somente as grandes empresas instaladas em áreas litorâneas que podem ter preocupações de ESG voltadas para a economia marinha. O caminho das correntes dos rios no interior do Ceará fizeram a Juá, marca cearense de produtos de limpeza com sede em Juazeiro do Norte, adotar um projeto simples de reciclagem, mas que vem consolidando no cenário de práticas sustentáveis.
Em 2016, em uma visita a uma escola de Juazeiro do Norte, o presidente da Juá, Assis Mangueira, recebeu o pedido para a compra de um bebedouro. O pedido foi atendido, mas o dono da empresa pediu algo em troca: uma competição entre os alunos para arrecadar óleo de cozinha usado.
“Visitando a escola, todos os espaços, vi lá uma garrafa PET na cantina com um pouco de óleo de fritura. Naquele momento baixou uma coisa que eu disse: ‘Eu vou fazer a doação, mas eu vou querer algo em troca’, para mobilizar a comunidade. Na época, combinamos uma gincana, e essa gincana foi entre dois grupos da escola, se movimentaram bastante na comunidade, e eles conseguiram em 40 dias mais ou menos 400 litros de óleo. Eles se mobilizaram, foram nos quiosques, foram nas casas da família, visitaram toda a comunidade, falando da importância que tinha dele estar recolhendo aquele óleo”, relembra.
Lançamos esse…
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