por Milena Buarque
Se fosse possível expressar em imagens gráficas o ofício de traduzir, Sofia Mariutti estaria remando ondas gigantes e devoradoras em seu escritório. “Acho que essa é a minha sensação ao traduzir. Mas também é a coisa do dia a dia… Este trabalho que você tem todos os dias de se disciplinar para fazer três, quatro páginas que sejam, e ir avançando. Isso é muito mágico”, diz. No fim, traduzir como atividade cotidiana, silenciosa e de entrega seria também como o ato de tecer: “De repente, você tem um cachecol”.
Sofia é paulistana e, além de tradutora, é editora e poeta. Mestra em língua e literatura alemã pela Universidade de São Paulo (USP), ela é uma das integrantes do Quem Traduziu, um grupo de tradutoras literárias que tem buscado refletir sobre o trabalho da tradução e o seu espaço e reconhecimento no mercado editorial brasileiro.
Com cerca de 70 mulheres, o grupo surgiu organicamente no WhatsApp, a partir da associação de algumas tradutoras que procuravam reunir conversas e debates comuns que já estavam acontecendo em diferentes esferas, em um meio um tanto propício para que profissionais se sintam sozinhos, ainda que não estejam. Uma dessas articuladoras é Debora Fleck, cofundadora e sócia da Pretexto, mestra em literatura brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), revisora e tradutora há mais de uma década.
“Conversando com a Rita [Rita Kohl, tradutora e pesquisadora], pensamos ‘vamos reunir todo mundo?’. A gente criou um grupo no WhatsApp, teve uma primeira reunião pelo Zoom e foi superlegal. E é um alívio sentir ‘uau, encontrei a minha turma!’. Já trabalho com tradução há uns 12 anos e nunca tinha tido essa sensação”, conta Debora, que afirma não ter havido nenhum direcionamento inicial para que o grupo fosse composto apenas de mulheres. “Foi indo. Quando a gente viu, já havia ali 70 mulheres envolvidas. E mulheres superinteressantes. Somos todas tradutoras literárias, não é? E acho que isso tem uma diferença, umas especificidades de trabalhar para editoras, no mercado editorial brasileiro.”
Consolidar um espaço seguro para a troca, organizar melhor as pautas de interesse e fazer uma espécie de dever de casa têm sido, no momento, as prioridades do grupo, que procura se estruturar internamente e dar espaço para o conhecimento mútuo e o diálogo antes de promover ações voltadas para o público externo.
“Acredito que a gente tem de se unir para conseguir as coisas. Sozinha, a gente não consegue. Sabemos disso porque quem tentou já viu”, diz Lígia Azevedo, tradutora, jornalista formada pela USP e pós-graduada em língua inglesa e literaturas, com uma trajetória profissional que contabiliza mais de 120 livros traduzidos.
Do grupo, ela é uma das poucas que vive apenas do ofício da tradução. “Para que isso acontecesse, tive de abrir mão de uma vaidade intelectual, não só no sentido de deixar de traduzir livros que eu adoraria fazer, mas também entendendo que preciso realizar cada trabalho dentro de determinado prazo e contar que o resto da cadeia editorial – preparadoras, revisoras, editoras – vai me ajudar nos meus deslizes. Acho que é um trabalho eterno tentar sobreviver disso e melhorar suas laudas cada vez mais, passando a trabalhar com pessoas que a tratem melhor. E que paguem na data”, pontua Lígia.
Em entrevista ao site do Itaú Cultural (IC), Debora, Lígia e Sofia compartilham suas trajetórias e experiências na área e refletem sobre as paixões e os sofrimentos – nesses termos – de trabalhar com tradução literária no Brasil. Elas se juntam às considerações de Rita Kohl, também integrante do grupo, no primeiro texto da série Quem traduziu?.
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Quem traduziu? | Rita Kohl e a literatura japonesa no Brasil
ILHAS DE SOLIDÃO
Sofia Mariutti: O que eu pensei foi: “Nossa, elas estão rompendo esta ilha de solidão dos tradutores!”. Isso é muito importante. Acho que a ideia do grupo é bem essa mesmo: trocar e sair dessas ilhas. É uma parte muito difícil desse trabalho. E é legal que tem várias tradutoras muito experientes e outras mais iniciantes também. Umas aprendendo com as outras.
Lígia Azevedo: A situação disso, que não sei se podemos chamar de carreira ou não, é tão precária que acho que todas estão muito ligadas a como a profissão é tratada, e isso consome a maior parte do nosso tempo. A como, enquanto grupo,…
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