A questão fiscal é o calcanhar de Aquiles da economia brasileira. É o que afirma José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, grupo financeiro que mantém corretora, private banking e uma plataforma de investimentos com mais de 1 milhão de clientes.
Doutor em economia (PhD) pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e professor aposentado da PUC do Rio de Janeiro, Camargo foi sócio-fundador da Tendências Consultoria Integrada, consultor do BNDES e de diferentes organizações internacionais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Desde 2018 na Genial Investimentos, Camargo afirma que o desequilíbrio fiscal está por trás do baixo crescimento econômico do país nas últimas quatro décadas e da insegurança do capital externo em investir no País.
Segundo ele, o último período de estabilidade fiscal ocorreu entre o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1999-2002) e o primeiro mandato do presidente Lula (2003-2006), quando a relação dívida/PIB chegou próxima a 50%. “Depois, em quatro anos, ela subiu para 70% do PIB”, diz Camargo, nesta entrevista ao NeoFeed.
Segundo ele, a aprovação do arcabouço fiscal no início do atual governo Lula acalmou o mercado. Mas a dificuldade do governo no Congresso em aumentar as receitas para estabilizar o equilíbrio fiscal trouxe de volta o pessimismo. Camargo diz que o governo deve continuar lutando para zerar o déficit fiscal em 2024. “Mudar a meta antes de ter certeza de que não vai atingi-la é muito negativo”, adverte o economista.
Camargo prevê novas dificuldades para o país daqui para frente. Sobre a reforma tributária, por exemplo, critica o elevado número de exceções para ter alíquota menor no novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) em discussão do Congresso Nacional, “o que vai significar menos crescimento da economia”.
Ele acredita que a atividade econômica deverá desacelerar, efeito da política monetária do Banco Central para reduzir a inflação e dos juros elevados mantidos pelo Federal Reserve (Fed), a autoridade monetária dos Estados Unidos. “Dificilmente o BC vai parar com uma taxa Selic de um dígito”, diz o especialista. “Ou seja, teremos entre 10,5% e 11% de Selic no final do processo, em 2024.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O que preocupa mais na discussão da reforma tributária no Congresso: o número de exceções para ter alíquota menor ou a briga entre governo e estados pelo repasse de impostos?
As duas preocupam. O número de exceções é muito elevado, não sei como vai ficar no final. Essa questão do fundo desenvolvimento regional também é muito importante. O governo propôs R$ 40 bilhões, topou aumentar, mas os estados querem R$ 75 bilhões. Isso é gasto obrigatório do governo federal, uma questão fiscal. Estou muito preocupado com a reforma tributária. Tem uma série de setores que estão ganhando redução de alíquota. Isso significa que alíquota do IVA no final terá de ser muito alta, ou seja, menos crescimento da economia. Alguns economistas têm demonstrado essa preocupação, como o Felipe Salto. As notícias sobre a discussão da reforma tributária não têm sido boas.
O governo federal deixa a impressão de que está sempre no fio da navalha com a política econômica. Você acredita que aquela agenda positiva anunciada no início do ano está comprometida?
O Brasil tem um calcanhar de Aquiles muito fraco que é a questão fiscal. Estamos sempre na beira do abismo, no limite. Alguém já disse que a grande diferença entre Brasil e Argentina é que, quando chega na beira do abismo, o Brasil volta atrás – e a Argentina se joga. Quando o Brasil conseguiu recuar bastante, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso e no primeiro mandato do presidente Lula, chegamos a ter uma relação dívida/PIB próxima de 50%. Mas aí vieram o segundo mandato do Lula e o primeiro da presidente Dilma Rousseff e essa relação dívida/PIB passou para 70% em apenas cinco anos. Não conseguimos manter uma situação fiscal tranquila.
Qual é o efeito dessa insegurança fiscal?
Por causa disso temos taxas de juros muito altas e instituições que não são propícias a gerar crescimento econômico. O Brasil cresceu muito pouco anos últimas quatro décadas e ainda teve uma intervenção muito grande do Estado, que acaba expulsando o investimento privado. Conseguimos fazer uma série de reformas…
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