O acesso dos usuários às informações sobre os conteúdos criados por inteligência artificial é um dos pontos centrais no combate ao uso dessa tecnologia a serviço de objetivos e interesses escusos. A conclusão é dos debatedores que participaram, nesta terça-feira (31), de audiência pública para debater a aplicação e as implicações da inteligência artificial nas eleições e na disseminação de informações. A audiência faz parte de uma série de debates promovidos pela Comissão Temporária sobre inteligência artificial no Brasil (CTIA).
O avanço dessas tecnologias é uma preocupação de diversos países e, no Brasil, um dos principais temores é o mau uso da IA nas eleições de 2024, em que serão disputados cargos nos mais de 5 mil municípios do país.
— São 5.570 municípios em que o Estado vai precisar estar preparado para responder a esses desafios da inteligência artificial. Nós temos, enquanto Estado, que dar uma resposta. A integridade da democracia está sob ameaça e o relógio está contando para nós tomarmos alguma atitude. Não podemos deixar para ver no que vai dar — alertou a professora Tainá Aguiar Junquilho, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).
Luciana Moherdaui, pesquisadora do Grupo Jornalismo, Direito e Liberdade, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), citou as eleições presidenciais de 2024 nos Estados Unidos. Segundo ela, o presidente Joe Biden anunciou nesta semana uma ordem executiva com recomendações do governo americano sobre sistemas de IA. Entre elas está a inserção de marcadores para indicar que as imagens ou vídeos foram criadas com inteligência artificial. O problema, na visão da professora, é que as campanhas não se dão somente em âmbito oficial, o que torna difícil esse controle.
Uma das principais preocupações no contexto eleitoral é com o deepfake, que consiste em criar e manipular imagens para que elas simulem, muitas vezes de maneira bem convincente, a realidade. Com esse recurso é possível fazer um vídeo de uma pessoa falando algo que ela não falou ou fazendo algo que não fez. Como exemplo, a diretora de Projetos do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Celina Bottino, citou casos de vídeos falsos de candidatos ofendendo seus oponentes e até do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, pedindo que os cidadãos se rendessem à Rússia.
O lado bom da tecnologia também foi levantado. Diretor-Geral do Instituto Liberdade Digital (ILD), Diogo Rais lembrou que há inúmeras possibilidades em que a IA pode facilitar o ideal democrático de que as mensagens cheguem aos cidadãos. A dificuldade está em combater o desvirtuamento dessa ferramenta.
— Eu acho que a gente poderia perceber alguma dimensão positiva e democrática da inteligência artificial, mas talvez toda essa dimensão positiva talvez se transforme em negativa com o engano, com a manipulação ou até de coleta indevida de dados — lamentou o especialista, que também citou a produção de “fake news sob medida” para cada público.
Trasparência
Essa criação de conteúdos direcionados a alvos específicos também foi parte do alerta feito pela coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), Renata Mielli, que apontou a falta de transparência como uma das questões centrais no debate sobre inteligência artificial. Para ela, a falta de informações sobre a origem e o mecanismo de processamento dos dados leva a uma ruptura no sistema de confiança entre sociedade e informação.
— Esses sistemas conseguem gerar mensagens diferentes sobre o mesmo assunto para milhões de pessoas. Em processos eleitorais elas vão ter uma tarefa e essa tarefa é buscar dissuadir e influenciar o voto de determinada pessoa, então não importa o conteúdo, importa o resultado. Essas ferramentas não têm uma ética, por mais que a gente possa pensar numa ética by design, elas não têm moral, elas não têm um compromisso com a verdade necessariamente, então isso é um desafio imenso.
Para a coordenadora, é preciso pensar não só em identificar os conteúdos como produzidos por IA, mas também informar quem produziu, com que finalidade e quem distribuiu. Esse conjunto de informações, para ela, é um caminho para dar poder de decisão a quem consome as informações.
O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Antônio Rech,…
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