BRASÍLIA – A menos de um mês para deixar o cargo, a diretora de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos do Banco Central, Fernanda Guardado, disse em entrevista ao Estadão/Broadcast que sai feliz da instituição, ao enxergar que a desinflação segue seu caminho no País, apesar de enfatizar que foram muitos os momentos duros de decisão sobre política monetária.
A diretora admitiu ser conservadora e comentou que a questão fiscal segue na mira do BC, mas fez elogios à determinação da equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em relação à entrega da meta zero no ano que vem. “Aplaudimos essa determinação do ministro Haddad e da equipe econômica de perseguirem a meta de déficit zero”, destacou.
Sobre a economia global, a análise de Guardado é a de que ficou para trás o período extraordinário de juros baixos no mundo, e que a inflação no mundo ainda não foi definitivamente domada, incluindo os Estados Unidos. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Estava se formando no mundo uma expectativa muito negativa para 2024, mas de uns dias para cá essa percepção virou. Como o BC está vendo essas mudanças no cenário externo?
A mudança na leitura tem mais a ver com uma esperança de que haja cortes nas taxas de juros americanas mais cedo do que se imaginava anteriormente. Mas veja que ainda é um ambiente em que a inflação não foi definitivamente domada, inclusive nos Estados Unidos. Ainda tem trabalho a ser feito. Tem uma discussão que entrou agora no banco de trás, mas que segue muito presente na cabeça dos BCs, que é a de quão permanente é esse nível mais alto de taxa de juros que nós estamos vendo agora. Os bancos centrais têm se desdobrado em reforçar que existem ainda desafios… Desafios do ponto de vista da convergência da inflação, de salários, de questões geopolíticas, discussões fiscais em diversos países do mundo, com destaque para os EUA. Como todas essas questões potencialmente estruturais afetam a taxa neutra de juros?
Nós deixamos para trás um período extraordinário pós-grande crise financeira. Aquilo foi um período de taxa de juros excessivamente baixas, quantitative easing… um período em que mesmo cenários de déficits fiscais elevados nos EUA eram facilmente financiados. Os déficits fiscais americanos podiam ser altos, mas, quando o seu juro é zero, é muito fácil financiar essa dívida. Essa figura muda um pouco quando se tem dívida/PIB mais perto de 100% e isso pode ter complicações sobre a taxa neutra. Quando se está em um ambiente de taxa de juros positiva, isso cria um cenário mais desafiador. Essas questões podem não estar sendo tão importantes nesse momento, mas têm permeado esse caminho que percorremos ao longo de 2023. A pergunta é: a gente voltou para o velho normal, de ter taxas longas que são mais altas?
E têm aparecido muitas surpresas de dados, como a resiliência do mercado de trabalho nos EUA. Trazendo para o Brasil, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem comentado que as projeções para o PIB – tanto do mercado quanto do governo – têm sido menores do que os dados efetivos. Alguns apontam que isso é fruto das reformas recentes que ainda não estão capturadas nos modelos. Como a sra, vê esse novo cenário da estrutura economia doméstica?
Parte dos erros dos modelos se justifica pelo tipo de choques que o Brasil viveu de 2020 a 2022, mas a economia global também viveu. Era difícil antecipar como ia ser a resposta, por exemplo, de consumidores que estavam em lockdown diante de toda a expansão monetária e fiscal que foi feita. Os modelos erraram porque refletem padrões históricos e tivemos acontecimentos extraordinários. Os próprios gargalos logísticos foram um reflexo de um momento de demanda muito surpreendente, em boa parte. À medida que a gente avança de 2023 para 2024, a economia global e a brasileira estão mais perto do que a gente consideraria a normalidade. A normalidade na resposta da política monetária, que tem subido em boa parte do mundo. Se observa uma moderação de crescimento em diversas economias. Acho que os modelos tendem a acertar mais daqui para a frente. De fato, 2023 vai ser o terceiro ano consecutivo de revisão substancial no crescimento brasileiro e eu pessoalmente…
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