No dia 22 de abril de 2020, em uma reunião ministerial do ex-presidente Jair Bolsonaro, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o governo “colocou a granada no bolso do inimigo” ao se referir ao congelamento do salário do servidor, visto por ele como a terceira torre do adversário a ser derrubada. As outras duas eram a reforma da Previdência e a queda dos juros. Mas Guedes não jogou apenas uma bomba no colo do funcionário público. Como um invasor em retirada, o “ex-Posto Ipiranga” de Jair Bolsonaro deixou para trás um duplo campo minado para desfigurar o serviço público e retardar a implementação de novas políticas econômicas pelo governo que o sucedeu:
– a proposta de emenda constitucional nº 32/2020 (PEC 32), denominada erroneamente de “reforma administrativa”; e
– a independência do Banco Central do Brasil, classificada equivocadamente de “autonomia”.
Sobre a primeira, as armadilhas armadas por Paulo Guedes permanecem ativas, prontas para serem acionadas. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, em sincronia não casual com a imprensa corporativa, retomou o assunto da reforma, agora em tom impositivo, ameaçando recolocar na agenda legislativa a PEC 32 elaborada pelo “Chicago Boy” Paulo Guedes. Sob o argumento apelativo, tonificado pela grande imprensa, de que é preciso cortar gastos – uma vez que “não é uma opção” aumentar impostos -, Lira quer avançar com esse projeto amparado pelo discurso de “controlar as despesas públicas, acabar com privilégios do funcionalismo e melhorar o atendimento aos cidadãos”.
O Brasil precisa, sim, de uma reforma administrativa que corrija distorções históricas na máquina pública. Mas não é isso que está contido na PEC 32. Ao contrário da narrativa de Arthur Lira, é possível controlar as despesas preservando o espírito do serviço público, sem privatizar os direitos sociais, sem destruir as prerrogativas do funcionalismo, nem aumentar a carga tributária. Pelo lado das receitas, tributando quem não paga impostos e passando um pente-fino nos privilégios fiscais que não beneficiam a sociedade. Do lado das despesas, aprimorando os mecanismos de combate à corrupção e a qualidade dos investimentos públicos.
Potenciais deficiências e imperfeições no serviço público podem, e devem, ser ajustadas e aperfeiçoadas por meios infraconstitucionais, sem a necessidade de uma reforma extremista que abra o caminho para a sanha do capital privado e dos negócios particulares. A PEC 32 de Guedes, agora nas mãos de Arthur Lira, reserva verdadeiras armadilhas que vão contra o interesse público, como o fim da estabilidade no emprego dos servidores concursados. Sem essa salvaguarda, as engrenagens do Estado da noite para o dia ficariam vulneráveis a interferências políticas. Não é difícil imaginar qual teria sido o desfecho, no caso das joias do ex-presidente Jair Bolsonaro retidas na alfândega de Guarulhos, se o servidor não estivesse blindado do assédio funcional com a estabilidade empregatícia. Exemplo esse que pode ser multiplicado por milhares, haja vista a quantidade de tentativas de fraude, corrupção, contrabando e outras mazelas que, a todo custo, são combatidas diariamente no Brasil por servidores concursados.
Sobre a chamada autonomia do Banco Central, outro artefato com alto poder explosivo deixado por Paulo Guedes, está sob os cuidados de outro personagem polêmico: Roberto Campos Neto, banqueiro egresso da iniciativa privada sem nenhuma passagem prévia na gestão de órgãos públicos, com pouca familiaridade e afinidade com questões da Administração Pública.
A autonomia do BCB, implementada em 2021, foi apresentada à sociedade como uma panaceia para quase todos os problemas da economia brasileira. Mas se mostrou, ao fim e ao cabo, ineficaz do ponto de vista técnico e um fio desencapado que ameaça eletrocutar a governabilidade do atual mandatário da República. Primeiro, a meta de inflação foi descumprida duas vezes seguidas, em 2021 e 2022, ambas já com a autarquia gozando de autonomia operacional. Além disso, longe de ser uma unanimidade, a ortodoxa política monetária conduzida por Campos Neto sofreu uma saraivada de críticas de vários setores econômicos, de economistas independentes e principalmente do governo, que responsabiliza os juros estratosféricos por travarem o crescimento do Brasil e…
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