Nunca faltaram adjetivos para o Brasil. Nos louvores, foi gigante, celeiro do mundo, país do futuro. Nos tropeços da história, foi reconhecido como subdesenvolvido, dependente, periférico. Todos estavam certos, mas sempre parciais. Os tantos atributos somados dão ao país a mágica capacidade de ser muitos. O Brasil pode ser, a um só tempo, produtor de enorme volume de riqueza sem que seu povo tenha o que comer todos os dias. Ser fonte de lucros colossais para multinacionais e grandes capitais e ver a pobreza habitar cada esquina. O governo pagar a maior taxa de juros do mundo e ser chamado de perdulário quando destina maiores recursos aos mais pobres. Ter um órgão do próprio Estado sabotando o crescimento econômico.
É fácil perceber. O Brasil vive, desde 2015, uma crise econômica que já se arrasta por quase dez anos e foi duramente agravada, tanto pelo flagelo da Covid-19, como pela gestão desastrosa, feita pelo governo Bolsonaro, de toda tragédia causada pela pandemia. Esse governo de extrema-direita, derrotado historicamente nas urnas em 2022, manteve, todavia, uma trincheira dentro Poder Executivo Federal: o Banco Central.
Não é novidade que, desde antes do golpe de 2016, uma onda neoliberal varreu as políticas econômicas do país e culminou com cortes de investimentos e de gastos voltados aos mais pobres, além da efetivação da autonomia do Banco Central em relação à Presidência da República.[1] Desde então, a autoridade monetária chutou a taxa básica de juros, a Selic, de 1,9% ao ano (entre 06/08/2020 e 17/03/2021) para espetaculares 13,65% ao ano (desde 04/08/2022). Um aumento assombroso de 618,4% ou 11,75 pontos percentuais em apenas dezessete meses. Como esperado, o custo médio dos empréstimos no Brasil saltou de 18,5% de juros, em setembro de 2020, para 31,2%, em janeiro de 2023. Um aumento drástico de 13,04 pontos percentuais, equivalente a 71,8% de majoração no custo médio do crédito no Brasil.[2] A esse preço, muitos negócios foram inviabilizados, decisões de investimentos adiadas ou canceladas e o consumo foi impactado.
De outro modo, a política monetária contracionista do Banco Central afetou o crédito e conteve a emissão de moeda feita pelos bancos privados, origem e fonte do numerário que circula na economia. Ou seja, o Banco Central vem promovendo intencionalmente uma crise de crédito que se desdobra em crise de liquidez. No entanto, crises de liquidez, não raro, engendram expectativas negativas, recessões e instabilidades políticas. Por quê? Porque sem crédito e ilíquida, a economia desacelera, perde empregos e queima capitais. Em países capitalistas, onde as trocas comandam o cotidiano, a deterioração do bem-estar material das famílias imediatamente se transforma em insatisfação que, por sua vez, pode avolumar-se e metamorfosear-se em deslegitimação do governo, greves e, no limite, protestos violentos.
O Banco Central, portanto, possui enorme poder político e é necessário perguntar: a favor de quem usa esse poder? Certamente não está usando para auxiliar na substituição do projeto reacionário anterior, rejeitado nas últimas eleições, pelo novo, voltado à retomada do crescimento, da formação de capital nacional e da atenção aos mais pobres. Isso não surpreende, pois, para o neoliberalismo que domina o pensamento da diretoria do banco, a ação do Estado sobre a distribuição de renda, a produção e os direitos humanos não são bem aceitos. Por isso, conter a inflação emerge como desculpa legítima para refrear anseios sociais-democratas que promovem o Estado à fomentador da acumulação de capital, do progresso científico e tecnológico nacional e da distribuição dos ganhos do crescimento econômico. Dessa atuação do Banco Central, apenas os mais ricos e poderosos se beneficiam. Se decisões de investimento são adiadas e canceladas, pequenas empresas não resistem ao custo do crédito e trabalhadores ficam desempregados, os bancos e demais oligopólios, diferentemente, garantem (ou potencializam) sua rentabilidade administrando os recursos líquidos disponíveis no regiamente remunerado mercado de títulos públicos. Não é coincidência, portanto, o apoio que oferecem ao “perfil técnico” do Banco Central.
Para o cidadão comum, a crise de crédito promovida pela autoridade monetária provoca dificuldades…
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