Para muitos, o mercado de criptoativos tem uma afinidade perigosa com a proliferação de pirâmides financeiras, sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Algumas pessoas exploraram a credulidade, a ganância e a ignorância acerca de riscos associados a investimentos para fazer fortuna e prejudicando não só a poupança popular como também o próprio desenvolvimento da criptoeconomia. Boa parte desses golpes nada tinha a ver com criptoativos diretamente, utilizando-os apenas como isca, dado o fascínio do público em geral sobre os violentos movimentos de preços.
Na mesma semana em que ocorre o julgamento de Sam Bankman-Fried, ex-CEO da FTX, cujo colapso acentuou o longo inverno cripto em meados de 2021, a Câmara dos Deputados aqui no Brasil divulgou o relatório final da CPI das Pirâmides Financeiras. O documento tem mais de 500 páginas e nesse texto procuro explorar seus principais pontos, lições aprendidas e recomendações.
De início, devemos ter em mente que as comissões parlamentares de inquérito têm como objetivo o levantamento de informações para que as autoridades instaurem ou instruam processos administrativos ou criminais e, ainda, subsidiar as discussões sobre reformas de leis e regulamentos para prevenir a repetição de escândalos e dos ilícitos que são investigados.
Além de recomendar o indiciamento de mais de quarenta pessoas, a CPI das Pirâmides Financeiras atacou lacunas regulatórias que vinham sendo exploradas para que empresas utilizassem o Sistema Financeiro Nacional sem se submeter à regulação vigente. Vejamos.
Recomendações ao Banco Central e alterações na Lei nº 14.478/2022
Embora a regulamentação da Lei nº 14.478/2022 ainda esteja em fase de elaboração pelo Banco Central, a CPI propôs alteração neste diploma legal para estabelecer requisitos específicos para a autorização dos prestadores de serviços virtuais. Ainda, a alteração legislativa obriga a transferência de recursos entre usuários e prestadores de serviços de ativos virtuais por meio de contas de depósito ou de pagamento individualizadas, restabelece a segregação patrimonial entre prestadores de serviços de ativos virtuais e seus usuários e, por fim, proíbe a oferta ou a negociação de derivativos por prestadores de serviços de ativos virtuais sem a autorização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Nos requisitos detalhados na proposta de alteração legislativa, encontramos, dentre outros, a capacidade econômico-financeira dos controladores, a licitude dos recursos utilizados para viabilizar o empreendimento, sua viabilidade econômico-financeira, compatibilidade de sua estrutura de tecnologia de informação e de sua governança corporativa com os riscos associados, bem como conhecimento do ramo do negócio e capacitação técnica dos administradores.
Resta saber se e como a edição das normas em curso pelo Banco Central irão recepcionar essas recomendações, a despeito de não terem se tornado lei.
A CPI recomendou ainda ao BCa apuração da conduta de Prestadores de Serviço de Ativos Virtuais (PSAVs), quando estas fazem uso de configurações de operação de depósito e saques em reais através de contas bancárias que não são de titularidade do PSAV, normalmente em contas ditas “ônibus” ou “bolsões”, uma prática que pode favorecer a lavagem de dinheiro.
Recomendações à Receita Federal
A CPI recomenda à Receita a alteração da Instrução Normativa nº 1.888/2019, para atualizar o conceito de criptoativo e ampliar o dever de reporte de operações com criptoativos pelos representantes locais das exchanges (corretoras) estrangeiras.
Assim, ao menos em teoria, não seria mais possível oferecer serviços a pessoas no Brasil e, ao mesmo tempo, não informar à Receita sobre as transações realizadas, alegando ausência de sede no Brasil. Para garantir a eficácia desta regra, o representante local, instituição financeira ou de pagamento que viabiliza as transações com reais, seria responsável pelo cumprimento do dever de reportar ao Fisco.
Ainda em matéria tributária, a CPI recomendou a instauração de processo administrativo sobre recolhimento de impostos de PSAVs estrangeiras que atuam no Brasil, bem como indicou nomes de pessoas físicas e jurídicas que precisam ser submetidas a uma auditoria fiscal, a fim de levantar informações sobre possível sonegação de tributos nos últimos cinco anos.
Prevenção à lavagem de…
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