“Quer parcelar?” é a pergunta que segue o “débito ou crédito?” a cada vez que alguém faz uma compra. Já sai no automático, assim como a resposta-pergunta do cliente: “em quantas vezes?”. Esse diálogo curto sintetiza como o “dez vezes sem juros no cartão” se tornou algo tão brasileiro quanto jabuticaba, guaraná e cachaça.
60% de tudo o que se compra no Brasil é no cartão de crédito. Dessa bolada, 45% é parcelada sem juros. O total de crédito concedido pelas instituições financeiras via cartão soma R$ 513 bilhões. Foi um movimento incentivado pelo mercado: existem 430 milhões de plásticos no país, dois para cada brasileiro, ou quatro para cada pessoa que faz parte da população economicamente ativa.
Eles são o motor do consumo e, ao mesmo tempo, a nêmesis da economia brasileira. O Brasil tem 71 milhões de pessoas com contas em atraso – e ⅓ de tudo o que deixou de ser pago é no cartão de crédito.
O instrumento cresceu de forma tão descontrolada que se tornou disfuncional – e está na mira do governo. O Congresso aprovou uma lei que obriga instituições financeiras a propor uma solução para as altas taxas de juros de quem pedala o pagamento de uma parte da fatura. A negociação será intermediada pelo Banco Central e, depois, precisa passar pelo Conselho Monetário Nacional, composto pelos ministérios da Fazenda, Planejamento e pelo próprio BC. Sem acordo, passará a valer um teto de juros de 100% ao ano – hoje a média das taxas está em 445%.
A eventual imposição de um juro máximo para a linha abriu uma caixa de pandora no mercado financeiro. Grandes bancos, fintechs, operadoras de maquininhas e lojistas entraram em uma guerra pública em que tentaram apontar culpados para o problema enquanto protegiam o próprio negócio de eventuais medidas para de fato reduzir os juros.
O estopim foi dado pelos bancos. Há anos eles vêm colocando a culpa das altas taxas do rotativo na existência do parcelamento sem juros. O problema é o seguinte: o banco decide o limite de crédito do cliente e se compromete a pagar ao lojista mesmo em caso de inadimplência na fatura. Mas o banco não é remunerado por esse crédito que ofereceu. O que as instituições financeiras afirmam é que os juros do rotativo são caros porque precisam compensar um uso do cartão que não gera receitas e traz risco de inadimplência. Trata-se de um subsídio cruzado.
Só tem uma questão: foram os próprios bancos que criaram esse mecanismo, e ele é mais intrincado do que essa combinação de rotativo e parcelado. Qualquer solução para os juros escorchantes do cartão de crédito, então, passa por entender como esse problema se formou no Brasil. Para isso, vamos primeiro viajar no tempo, de volta aos anos 1980 e 1990.
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Os tempos primórdios
Há pouco mais de três décadas, no período que antecedeu o Plano Real, quem mandava no comércio era o cheque, uma folha de papel em que você escrevia o valor do pagamento e autorizava o lojista a debitar da sua conta corrente. Tratava-se de um substituto do dinheiro, um meio mais portátil de realizar pagamentos à vista de somas mais consideráveis.
O brasileiro deu seus pulos. Era época de hiperinflação, o que fazia o salário evaporar tão logo pingava na conta, dada a remarcação constante de preços nos supermercados. Sobrava pouco para a compra de bens de maior valor.
Aí o comércio inventou o cheque pré-datado, como uma forma de conceder crédito aos clientes que já tinham gastado o salário. Na hora do pagamento, em vez de preencher o valor total da compra em uma única folha de cheque, o cliente assinava duas, três, cinco ou dez folhinhas – com vencimento mensal. Estava criado o pagamento parcelado pelo lojista.
Não era o mundo ideal: cabia ao vendedor checar com os birôs de crédito se o indivíduo era um bom pagador. E ele precisava esperar para receber as prestações, o que secava o caixa do negócio. Isso sem falar no risco de calote na hora de descontar o cheque.
Resultado: surgiu ali uma nova indústria de crédito para empresas, que comprava os cheques do lojista. Se fosse um cheque de $ 100, o comerciante venderia por, digamos, $ 85 e colocaria o dinheiro em caixa – os 15% eram os juros para repassar o problema adiante. Dali para frente, ficava por conta da financeira descontar o cheque na data combinada – e também…
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