Em sua nova peça de campanha, o candidato peronista para a presidência da Argentina, Sergio Massa, fez questão de pontuar que ele “ama o papa”. Isto porque Francisco, que é argentino, virou um personagem em disputa neste segundo turno das eleições depois de ser alvo de ataques do libertário Javier Milei. Ataques que podem ter lhe custado um eleitorado importante em um país de maioria católica.
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Segundo uma pesquisa feita em 2019 pelo Conselho Nacional de Investigações Científicas (Conicet), ligado ao Ministério da Ciência da Argentina, quase 63% dos argentinos se identificam como católicos. O número é uma queda em comparação com 2009, quando 76,5% se identificavam com a religião. Mas ainda significa que 28 milhões de argentinos se importam com o papa.
Mas para além dos números, o fato de Jorge Bergoglio, seu nome original, ter sido o primeiro papa argentino é motivo de orgulho nacional, e suas respostas sobre preferir Messi ou Maradona repercutem de fato na sociedade. “Temos um papa argentino e esse papa influencia, queira ou não, na política argentina”, afirma Cecilia Sturla, diretora do Instituto da Família e Vida João Paulo II na Universidade Católica de Salta. “Francisco tem um peso político na Argentina, para o bem ou para o mal”.
Papa comunista
Foi com este cenário que Milei disse que o pontífice era “a encarnação do maligno” e “comunista” durante todo o período entre as eleições primárias de agosto e o primeiro turno no último mês. Um conselheiro de Milei chegou a sugerir o rompimento das relações com o Vaticano. Francisco nunca respondeu diretamente, embora tenha lançado alertas que pareciam aludir ao libertário.
“Todos já fomos jovens sem experiência e às vezes os meninos e meninas se apegam a milagres, a messias, para que as coisas se resolvam de forma messiânica. O Messias é apenas um, que nos salvou de todos. Os demais são todos palhaços do messianismo”, disse o pontífice em uma entrevista à agência Telam publicada pouco antes do primeiro turno.
Diferentemente do Brasil, onde o voto religioso tem um peso importante nas eleições e há uma bancada religiosa no Congresso, a Argentina não possui um “voto religioso” e a Igreja não costuma se posicionar em eleições, embora historicamente tenha uma aproximação com o peronismo. No entanto, as palavras duras de Milei provocaram uma reação ansiosa de padres e bispos.
Em setembro, um grupo de padres de vilas e bairros de Buenos Aires, conhecidos como “curas villeros”, realizou uma missa em resposta ao libertário, onde dispararam: “Acaba-se por perguntar se alguém com esse distúrbio emocional, que não consegue encontrar alguém que pensa diferente sem gritar ou insultar, consegue suportar as tensões inerentes ao cargo público a que aspira”.
A alta cúpula da Igreja Católica do país também respondeu dizendo que não apoiava nem um nem outro candidato, mas expressou “princípios que podem ser úteis para refletir o futuro deste povo que amamos e servimos”.
O caso de Salta
Considerada uma das cidades mais católicas da Argentina, a cidade de Salta, capital da província de mesmo nome, se tornou o maior exemplo dos impactos das palavras de Milei contra o papa.
A província está na região noroeste, onde 76% da população se diz pertencer à religião, sendo a área mais católica da Argentina. As igrejas, catedrais e conventos fazem parte da paisagem saltenha, sendo a placa de boas vindas na cidade acompanhada por uma cruz. Nas discussões sobre o aborto no país, em 2020, todos os congressistas de Salta votaram contra a proposta, consolidando sua visão conservadora do tema.
O ápice da religiosidade de Salta é visto nos primeiros dias de setembro, quando centenas de milhares de peregrinos viajam quilômetros, muitos a pé, para celebrar a Fiesta del Milagro. O evento comemora o milagre ocorrido em meados dos anos 1500, durante a fundação da cidade, quando se crê que intensas orações à Virgem dos Milagres fizeram parar um terremoto…
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