Se o trabalho sempre foi uma atividade decisiva para a evolução das sociedades humanas, a inovação técnica e social constituem duas variáveis incontornáveis (e inseparáveis) nesse domínio. Importa por isso recusar o “determinismo” tecnológico e a sua “neutralidade”, como bem ensinou a sociologia: acima da tecnologia, e até da ciência, está a sociedade, os seus poderes e instituições. O “mercado de trabalho” é fruto da modernidade capitalista, mas o trabalho está muito para além da sua dimensão mercantil.
O trabalho assalariado tornou-se dominante desde o século XVIII, e com isso cresceu a “mercadoria” força de trabalho. Foi contra isso que o movimento operário e os seus sindicatos se ergueram, conquistando amplos direitos, num longo processo conflitual que na Europa culminou com o triunfo do Estado providência. É nessa mesma linha que a OIT e a Declaração Universal dos Direitos Humanos consignaram o princípio de que “o trabalho não é uma mercadoria” (Declaração de Filadélfia, 1944). No entanto, a globalização neoliberal inverteu esse curso a partir da década de 1970. Tendências estruturais mais vastas, como o envelhecimento da população, a estagnação do crescimento, o aumento da competitividade à escala global, as crises económico-financeiras, etc., forneceram as bases e os argumentos do neoliberalismo, ajudando a legitimar medidas que colocaram em recuo as políticas sociais e o anterior modelo social. Que tendências para a próxima década?
1. Flexibilidade e desregulação. Esta é uma tendência que tende a acentuar-se, dando continuidade a processos em curso como o outsourcing, a subcontratação, o trabalho temporário, o trabalho a tempo parcial, o trabalho independente, etc., que continuam a expandir-se, multiplicando as formas e vínculos contratuais e ampliando as tarefas à distância, a individualização e reduzindo a contratação coletiva. Tal processo caminha lado a lado com alterações legislativas que vão no mesmo sentido, por força da pressão exercida por “lobbies” e grandes corporações/oligopólios internacionais. A crescente competitividade e a disputa de especialistas de “excelência”, etc., pode exigir maior “transparência” e “meritocracia” no ato do recrutamento, mas isso ocorre apenas numa ínfima fatia do setor laboral, pelo que não devemos confundir a “árvore” com a “floresta”.
2. Digitalização/plataformas. A inovação tecnológica, a revolução no campo informático, a inteligência artificial e a robótica estão a crescer rapidamente e todo esse campo vai imprimir novas linhas de transformação, tornando irreversível o regresso ao anterior modelo de trabalho – com estabilidade, segurança, condições negociadas, garantias de progressão, etc. – que vigorou na Europa (e ainda vigora em alguns países) mas que hoje está ameaçado. A computorização, a robótica, a digitalização, etc., irão “roubar” muitos milhões de postos de trabalho na próxima década; e é muito incerta a capacidade de substituição e reconversão da mão de obra qualificada para lidar com os novos meios tecnológicos.
3. Segmentação da força de trabalho. A acompanhar esta tendência, a individualização das relações de trabalho, assistiremos a uma multiplicação ad infinitum das modalidades de trabalho e da metamorfose da classe trabalhadora como um todo. As desigualdades sociais e salariais relacionam-se com isso. Há sem dúvida segmentos muito qualificados que beneficiarão desta revolução laboral (os insiders): especialistas em diversos campos são disputados pelas grandes empresas (sobretudo as de base tecnológica, que surgem agora como grande promessa nas Web Summits) e que beneficiarão das oportunidades do mercado, incluindo quadros informáticos e experts em finanças que estão a ser cooptados pelo sector bancário-financeiro, etc. Há depois os perdedores (outsiders): que serão a grande maioria da atual e sobretudo da próxima geração de trabalhadores, incluindo os que se vão ocupar (num ou em vários trabalhos precários) nas plataformas digitais ou em grandes companhias com “contratos zero horas”.
O risco de pobreza aumenta na Europa e no mundo e, de um modo geral, tendem a crescer os problemas sociais, as doenças do foro psicológico, o “burnout” e até as taxas de suicídio relacionado com depressão e exaustão no trabalho, etc….
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