“A população evangélica é acionada com base na pauta moral. Mas, se há a tentativa de estabelecer nesse grupo uma base eleitoral, o quanto a recíproca é verdadeira? Os grupos vão calibrando a bússola para ver quem se encaixa mais nas ideias que eles defendem. Os membros de partidos e pessoas em vários postos da política acionam os fiéis para se elegerem, para criar uma base e também para manter privilégios”, afirma a professora Nina Rosas, do Departamento de Sociologia da Fafich, nesta entrevista ao Portal UFMG. Ela resgata parte da história da relação das religiões com a política, motivações dos líderes e das comunidades evangélicas – que já somam quase um terço da população brasileira –, a atuação das mulheres nesse ambiente e diversos outros temas.
Mestre e doutora em Sociologia, com estágio de doutorado no Center for Religion and Civic Culture, em Los Angeles (EUA), Nina Rosas é autora dos livros Mulher, pra que religião? Uma crítica aos conselhos conservadores da pastora Ana Paula Valadão (KDP, 2020) e As obras sociais da Igreja Universal: uma análise sociológica (Fino Traço, 2014). Suas pesquisas abrangem religião evangélica, gênero, feminismo, saúde e política.
Por que é importante conhecer os evangélicos quando se fala de política?
Bom, é importante entender os evangélicos para tudo. Vamos recuperar parte da história recente dessa religião no país. Na década de 1970, surgiu um grupo que provocou um boom no crescimento da vertente religiosa não católica no Brasil. Mas há muitas outras formas de ser evangélico. Quando a gente usa esse termo, deve sempre lembrar que se trata de um grupo super-heterogêneo, que vai de Silas Malafaia ao pastor Henrique Vieira, que é deputado federal. Água e vinho dentro de um mesmo pacote, por isso é sempre um desafio. O espectro é gigantesco, inclusive ideológico. Isso tem de vir à frente de qualquer explicação. É preciso ter sempre em mente essa heterogeneidade, para não fazer interpretações que fogem à realidade.
Isso serve também para evitar os preconceitos, as visões planas…
Justamente. Há uma série de estereótipos em torno desses grupos. Voltando um pouco na história, é preciso pensar que evangélicos incluem os protestantes, que chegaram ao Brasil no período de imigração, no século 19. Mais tarde chegaram os pentecostais – e também há grande variedade no pentecostalismo: desde os que começaram em 1910, como a Assembleia de Deus, que ainda é a maior denominação evangélica do Brasil, até igrejas como a Universal do Reino de Deus, que permanece uma forte referência do que se denomina neopentecostalismo. Todos esses grupos são evangélicos. Pensando na dimensão da política, é bom lembrar que a gente nunca teve no país um movimento anticlerical, mesmo com a separação de Estado e religião, com a Proclamação da República. Isso importa para entender por que a religiosidade brasileira está na política. Ela esteve sempre presente; a ideia de religião e política como coisas absolutamente separadas nunca existiu no Brasil. A gente não tem movimentos como na França, bastante radicais, anticlericais, até porque aquele é o berço do Iluminismo. Nossa Constituição de 1934 garantiu para a igreja católica Católica um posto de privilégio de que outras religiões não desfrutavam. Ela ofereceu assistência às Forças Armadas, implementou o ensino religioso nas escolas públicas. E a gente está falando do início do século 20, quando há uma perseguição estruturada. O Código Penal, do final do século 19, criminalizou as religiões mediúnicas, perseguiu práticas mágicas e de curandeirismo, sobretudo o espiritismo e as religiões afro-brasileiras. Então, o Estado, apesar da instituição da República e da separação legal da Igreja, não foi laico assim como em outros modelos.
Tudo isso cria as bases da proximidade da cidadania com alguns movimentos religiosos. Muitas vezes a igreja católica é o espaço de consolidação da cidadania para indivíduos periféricos. Práticas de assistência implementadas pelo governo muitas vezes acontecem dentro das igrejas, ultrapassando as fronteiras dos Cras [
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