Um dos personagens mais marcantes do grupo inglês de comédia Monty Python é o Sr. Creosote, interpretado pelo ator britânico Terry Jones no filme O Sentido da Vida (1983). O homem exageradamente obeso vai a um restaurante e, sempre faminto, é recebido pelo maître com um banquete. Ele então se empanturra de patês, caviar, tortas e carnes, e bebe litros de champanhe e cerveja. Durante o festim, o Sr. Creosote passa mal, mas, ainda assim, não para, arrebatado pela fartura. Ao fim do jantar, é persuadido pelo garçom a comer uma última bala de hortelã e, literalmente, explode. A cena desperta no público uma mistura de risos e asco. Trata-se, guardadas as proporções, de uma imagem que pode ser usada para ilustrar o que ocorre no Brasil quando o consumidor entra no chamado rotativo do cartão de crédito, acionado quando ele não paga a totalidade da fatura — e que é comum levar o devedor a um estouro. Em julho, a taxa anual desse juro voltou a crescer, segundo dados do Banco Central (BC), para, em média, insaciáveis 445% ao ano.
O assunto foi colocado recentemente em discussão pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que afirmou ser preciso encontrar uma saída, mas sem correr risco de afetar o crédito no país. “Não tem como dizer agora qual será a solução, mas é preciso endereçar o assunto”, disse ele em evento com banqueiros, em São Paulo. “Não fazer nada pode ser pior do que achar uma solução organizada”. Campos Neto tem razão. O endividamento excessivo é um problema crônico que afeta milhões de brasileiros. Entre os vilões apontados está justamente o cartão de crédito. Recente pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) aponta que 86,8% dos consumidores endividados têm débitos no rotativo, e o percentual é crescente.
Para aliviar o problema, o governo federal lançou o Desenrola, programa que facilita a renegociação de dívidas vencidas de consumidores negativados e com restrições de crédito. O texto, aprovado recentemente na Câmara, propõe um limite de 100% para o crédito rotativo caso o setor não apresente uma sugestão que reduza a taxa. A inspiração veio da Inglaterra, que convencionou, por lá, que nenhuma dívida pode ter o dobro do tamanho daquela que foi originalmente contratada pelo cliente.
A sugestão de impor algum tipo de restrição assustou a indústria financeira. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) criticou a medida e disse que limitar os juros do rotativo pode inviabilizar o uso de cartões e reduzir a oferta de crédito. Para a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), “não há uma solução única” e o assunto precisa ser “discutido de maneira técnica por todo o mercado”. Todos concordam que algo precisa ser feito, sob risco de tornar inviável o uso do dinheiro de plástico e atrasar o crescimento econômico — pessoas que entram no rotativo muitas vezes não conseguem se livrar da dívida, seus nomes ficam sujos na praça e são excluídas do ciclo de consumo.
Os juros para essa modalidade tornaram-se incontroláveis desde 2003, quando o Congresso revogou o artigo 192 da Constituição Federal, que estabelecia que as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras nas operações de crédito deveriam ser limitadas a 1% ao mês — portanto 12% ao ano.
O caso brasileiro é uma excentricidade. Nos Estados Unidos, a taxa básica de juros está em 5,5% ao ano, enquanto a cobrança do rotativo é de 24%. Alguém poderá dizer que se trata de uma nação rica e, portanto, a comparação é injusta. Há outros exemplos. No Chile, mais próximo da realidade do Brasil, os juros do rotativo estão em 40% versus uma taxa básica de 10,25%. “A proporção de nossos juros é uma distorção quase pornográfica”, diz Carla Beni, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Afinal, por que as instituições financeiras cobram taxas pantagruélicas? Os bancos argumentam, com certa razão, que os índices brasileiros de inadimplência estão entre os mais altos do mundo. As taxas de juros elevadas são usadas como proteção contra os não pagantes. O sistema brasileiro tem outra jabuticaba. Trata-se do parcelamento de compras sem juros, frequentemente em dez vezes. Segundo especialistas, o modelo custa caro para as instituições, que acabam oferecendo crédito acima do que o consumidor pode assumir — e, claro,…
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