Não é preciso ser um expert no mercado para perceber: no Brasil, cotidianamente as ações de uma empresa sofrem movimentos bruscos até que, pouco tempo depois, algum negócio importante é revelado sobre a companhia. Pode parecer algo “normal”, mas muitas vezes trata-se de investidores fazendo uso de informações privilegiadas para comprar ou vender papéis.
No Brasil, o uso de informações privilegiadas é algo cotidiano. Mas a pior notícia vem agora. A imensa maioria deles fica impune, já que ocorreu apenas uma condenação penal por insider trading, o termo em inglês para o crime, no Brasil nos últimos 20 anos. Ou seja, algo está (muito) errado.
Quando se considera que existem milhões de pessoas físicas entrando na Bolsa de Valores pela primeira vez, o problema se mostra mais grave ainda.
Afinal, são investidores incautos entrando em um lago cheio de experientes tubarões, municiados de informações que não deveriam ter.
A reportagem do SUNO Notícias decidiu investigar o tema, e chegou à conclusão de que, sim, o Brasil é um mercado em que o insider trading ocorre de forma cotidiana. A impunidade é maior do que vista em outros países, principalmente pelas seguintes razões:
- Falta capital humano e investimento em tecnologia para supervisionar as operações do mercado.
- O crescimento do mercado dificultou a fiscalização;
- A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem poderes limitados e não pode quebrar sigilo telefônico ou bancário;
- Não há o respaldo do Ministério Público e do Judiciário para a continuidade da denúncia. Com isso, poucos casos chegam à esfera criminal;
- Despreparo da Justiça para lidar com o tema;
- Falta de clareza na jurisprudência do assunto.
Confira o diagnóstico dessa prática tão danosa ao mercado brasileiro.
Namoro entre BRF e Marfrig remexeu passado doloroso
Nas últimas semanas, o mercado brasileiro tem observado uma movimentação que relembra um passado emblemático sobre o uso de informações privilegiadas.
Marcos Molina, CEO da Marfrig (MRFG3), comprou 31,6% das ações da BRF (BRFS3) a preços de mercado, movimentando os papéis do setor. O empresário está sendo investigado atualmente pelo suposto uso de informação privilegiada três anos atrás.
Fica difícil não lembrar do caso envolvendo a Sadia. Pouco antes da companhia anunciar a união com a concorrente Perdigão, em 2006, executivos da empresa utilizaram informações privilegiadas para comprar ações da empresa em Nova York.
Eles arcaram com multas e foram condenados por praticar insider trading, cumprindo pena em regime aberto. O episódio chocou parte dos investidores, principalmente aqueles que também eram consumidores fiéis e confiavam na gestão da marca centenária.
Ainda neste mesmo setor de mercado, em 2017, Joesley e Wesley Batista chegaram a ter a prisão preventiva decretada pelo mesmo motivo. Dois anos depois, Eike Batista foi condenado a prisão e multa por insider com ações da OSX, mas em primeira instância.
Uso de informações privilegiadas virou crime há 20 anos
O uso de informações privilegiadas, ou insider trading, foi criminalizada em 2001 e prevê pena de reclusão de 1 a 5 anos.
Em 2017, mudanças na legislação também fizeram com que a multa seja de até três vezes o montante da vantagem obtida com o crime — com limite de R$ 50 milhões.
Mas por mais que a lei entenda o crime como sério e danoso ao mercado, poucos são os casos punidos severamente. Inclusive, até que o crime seja efetivamente comprovado, o suspeito não pode ser considerado insider — e isso que é difícil de acontecer.
De 2008 a 2018, a CVM abriu processos contra 158 acusados, resultando em 66 condenações administrativas. No âmbito criminal, houve apenas uma sentença condenatória no Brasil, justamente no caso da Sadia.
Diversas são as razões para que o crime possa parecer impune por aqui.
Segundo especialistas, isso ocorre por motivos que vão desde a falta de capital humano na supervisão das operações no mercado, até a falta de investimento em tecnologia. Há quem diga que os reguladores carecem de capacidade técnica para as funções as quais são designados.
Nessa esfera, CVM e B3 demonstram que o Brasil não é mais “terra de ninguém” como parecia ser há 25 anos, mas ainda há muito o…
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