No dia 25 de outubro, celebramos a democracia. Essa data nos traz à memória o ano de 1975 e o trágico assassinato, sob tortura, do jornalista Vladimir Herzog, que se apresentou voluntariamente para depor no Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), órgão de repressão política subordinado ao Exército. Esse episódio nos lembra os tempos da ditadura civil-militar (1964-1988), um regime que, por sua natureza, se opõe radicalmente aos princípios que regem as democracias.
A trajetória da democracia é intrinsecamente ligada ao passado. Segundo estudos recentes realizados pelo cientista político John Keane, suas raízes se manifestaram sob a forma de autogoverno popular no Oriente, em áreas geográficas que hoje correspondem à Síria, ao Iraque e ao Irã. Mais tarde, por volta do ano 1500 a.C., migrou para o leste, alcançando parte do subcontinente indiano. Expandiu-se também para o oeste na direção de Biblos e Sidon, antes de chegar a Atenas, por volta do século 5 a.C., firmando uma tradição ocidental que se reinventou na era moderna.
Os movimentos revolucionários do final do século XVIII produziram radicais alterações em todo o edifício aristocrático dominante na Europa ocidental e central, transformando as desigualdades sociais em um problema político e ampliando as bases sociais dos processos participativos e decisórios. Em linhas gerais, a democracia moderna está alicerçada nos princípios de liberdade, igualdade e isonomia. Ela mantém relações complexas com o mercado e a economia, com a sociedade e a política, por meio de suas instituições, e se sustenta em uma cultura política que valoriza direitos para um maior número de pessoas, independentemente de clivagens socioeconômicas, raciais e éticas, de gênero e geração. Seu maior desafio é conviver com dois obstáculos: por um lado, a persistência de desigualdades sociais, inclusive de poder entre cidadãos; por outro, a persistência de inclinações autoritárias de seus governantes.
No mesmo período, a sociedade moderna viu nascer a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), reafirmada em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas. Apesar de as origens de ambos os processos não serem as mesmas, direitos humanos e democracia estão cada vez mais entrelaçados. Os princípios e agendas de direitos humanos constituem um catálogo de iniciativas capaz de enfrentar precisamente dois obstáculos: desigualdades sociais e de direitos, bem como limites ao poder autoritário.
O elenco de direitos é extenso e vem se expandindo com o reconhecimento de novos sujeitos passíveis de proteção pelas leis, políticas públicas e governos. Compreendem direitos clássicos civis, como liberdade de expressão, liberdade de associação, direito de ir e vir, proteção da privacidade e intimidade, bem como proteção uma miríade de violações, que incluem crueldade, discriminação, misoginia, genocídio, migrações forçadas, detenção arbitrária, guerras e terrorismo. Neste cenário, o direito à segurança e à justiça se firmou como um dos direitos humanos fundamentais e uma das garantias da existência de sociedades seguras, com qualidade de vida, igualdade de direitos e sem restrições às liberdades civis e públicas.
No entanto, à medida que as sociedades modernas foram se tornando mais complexas, os problemas pertinentes à segurança também se tornaram mais presentes e igualmente complicados. Em não poucas sociedades nacionais, o crescimento da delinquência e do crime organizado, das mortes intencionais, dos ataques ao patrimônio privado e pessoal, afetam os sentimentos de insegurança e comprometem a legitimidade das agências encarregadas de controle legal da ordem pública. Esse cenário inclui sociedades como a brasileira. No entanto, aqui, esses problemas parecem agravados devido às características históricas e singulares da estrutura e organização policial, o que inclui uma alta taxa de letalidade em confrontos com suspeitos de haver cometido crimes, uma considerável opacidade em suas ações e um fraco controle externo sobre suas atividades e operações de seus agentes.
As corporações policiais permanecem bastante fechadas, apesar das pressões da sociedade civil organizada e das políticas de direitos humanos para que se tornem mais transparentes e responsáveis….
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