O genial cineasta Costa-Gavras, no filme Adultos na Sala, mostra a batalha vencida pela elite bancária europeia contra a Grécia em 2015 e seus efeitos e sacrifícios econômicos e sociais que quase colapsaram o país-berço de nossa civilização.
Banqueiros e tecnocratas exigiam austeridade e venda de ativos/empresas públicas gregas e venceram a queda de braço. O partido no poder (Syriza), que aceitou esta receita amarga, perdeu as eleições em 2019 e enfraqueceu-se diante de uma população revoltada.
No Brasil, guardadas as devidas proporções, o debate recente sobre o papel do superávit/déficit do orçamento fiscal, liderado por economistas liberais, pela elite rentista e pela mídia corporativa, assemelha-se àquele episódio na União Europeia.
Basta olhar os centros urbanos das capitais brasileiras e sua decadência (aliás, tema do belo filme pernambucano Retratos fantásticos, de Kleber Mendonça Filho) para constatar os efeitos de uma economia que cresce sistematicamente abaixo de seu potencial, como resultado do baixo investimento público e da elevada taxa de juros reais praticada pelo Banco Central. A produção industrial de máquinas e equipamentos tem queda de 10% este ano, indicando que os investimentos privados estão estagnados.
As razões para a oposição dos rentistas ao pleno emprego almejado, via gastos do governo, podem ser subdivididas em três categorias:
- não gostam da interferência do governo no problema do emprego como tal;
- não gostam da direção dos gastos do governo (o investimento público e o consumo subsidiado);
- não gostam das mudanças sociais e políticas resultantes da manutenção do pleno emprego, dado que acirram o conflito distributivo latente.
A antipatia de líderes empresariais e financistas para uma política de gastos do governo se torna ainda mais aguda quando consideram o objeto em que o dinheiro seria gasto: o investimento público e o subsídio ao consumo de massas.
Observando aspectos da conjuntura econômica do presente, podemos ver que os custos do trabalho continuam contidos (fruto das reformas trabalhistas e previdenciárias), embora a margem operacional das grandes empresas nacionais e internacionais esteja elevada (basta ver o montante de dividendos distribuídos). O desemprego aberto, medido pelo IBGE e pelo Caged, mostra queda, embora o hiato do produto ainda seja negativo. Já a geração de dólares com a venda de commodities ao exterior continua elevada.
Diante desse quadro e com a popularidade ameaçada pela desaceleração cíclica que se prenuncia no horizonte, o governo tem como opção travar uma batalha ideológica e técnica para assegurar margens de liberdade orçamentária que lhe permitam reaquecer a economia, garantir mais empregos formais e também receitas fiscais crescentes.
Ranulfo Vidigal é economista.
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